domingo, 26 de agosto de 2007

O quebra do Xangô

Gravações do documentário. Fonte: Assessoria

“A realidade, porém, é que a vandálica destruição dos xangôs de Maceió por parte da Liga dos Combatentes, o famoso quebra-quebra de 7 de fevereiro de 1912, mais parecido com um auto de fé, [...], marca a extinção das velhas e tradicionais casas de culto afro-brasileiro em Maceió e nas cidades próximas. Pratica-se, por algum tempo, autêntica perseguição, nos moldes da inquisição medieval. Eram comuns prisões, torturas, delações, interrogatórios capciosos [...]”.

Esse é um trecho do livro A Metamorfose das Oligarquias, de Douglas Apratto Tenório, que trata de um dos episódios mais violentos da história de Alagoas: a invasão e destruição de diversos terreiros de candomblé, tema do vencedor da Carteira Regional do Doc TV III, Doc TV – Alagoas em Cena, que tem como um dos fomentadores o cineasta Hermano Figueiredo, ganhador do Doc TV III, com o documentário Calabar. Ele apresentou ao Governo vigente na época, ano passado, a proposta de fundir os dois projetos – Doc TV e Alagoas em Cena, e fazer a Carteira Regional que já existe em outros Estados do país, obtendo sucesso. Como essa importante conquista não pode cair no esquecimento, Hermano vai batalhar para que se torne uma realidade a favor das produções áudio-visuais alagoanas.

O documentário 1912 – O Quebra de Xangô, do antropólogo e fotógrafo Siloé Amorim nasceu do interesse de era resgatar, por meio de uma pesquisa, o quebra dos xangôs, tema que não é muito discutido, embora tenha mudado os rumos das manifestações da cultura africana em Alagoas. Quando entrou no processo de busca de dados, Siloé se deparou com o NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, órgão da Ufal - Universidade Federal de Alagoas, coordenado pelo Profº Moisés de Melo Santana, de onde recebeu a sugestão de elaborar um roteiro. Porém, até aquele momento, não era possível realizar um documentário. Foi quando soube das inscrições para o Doc TV II, no qual inscreveu seu projeto, sendo selecionado apenas na edição seguinte.

Segundo ele, a temática lhe deu grandes responsabilidades, visto que é uma questão muito complexa e que contém muitos assuntos diferentes ligados entre si: “Adentrar no assunto mostra que a invencibilidade de manifestações culturais de origem africana foi soterrada. Eu não imaginava que as expressões culturais, inclusive lúdicas, como o maracatu, também foram suprimidas a partir do quebra de 1912.”.

1912 – O Quebra de Xangô é o primeiro documentário de natureza histórica que ele faz, pois sempre realizou produções de cunho antropológico, com acervos fotográficos, já que trabalha com o campo visual. Para construí-lo, vários terreiros foram visitados: “São tantos que desaparecem na minha cabeça, fui a terreiros na Levada, no Benedito Bentes, na Ponta Grossa, no Graciliano Ramos, na Favela do Jaraguá e em cidades como Cajueiro, Atalaia, Água Branca e Limoeiro de Anadia”.

A sua experiência como antropólogo serviu na montagem do documentário. Ele diz que o olhar é diferente, mais seletivo diante da quantidade de informações, que renderam 200 páginas de entrevistas transcritas que podem, em breve, ser publicadas. “Cada fala que eu mudava me levava a um outro assunto. Então, eu tinha que voltar, criar um fio condutor para uma narrativa lógica, que não fugisse do quebra, e para que tudo que tem no documentário tivesse sentido, mesmo que algumas vezes estivesse desassociado da questão temporal. A parte fotográfica me ajudou para montar imageticamente o documentário, também na direção de cena e na interação com os demais membros da equipe”, explica.


Oceano de informações

O título já estava na cabeça de Siloé, uma referência ao ano e ao evento. Contudo, vai além da aparente simplicidade, na visão dele, o título tem uma simbologia, representa a quebra da entidade Xangô, que representa a justiça, a ira contra a opressão.

Para dar corpo ao documentário e dinamicidade à narrativa, a ficção foi introduzida ao documentário, onde figuram personagens como o Xangô e Tia Marcelina, entretanto, em sua maior parte, ele é composto por depoimentos de antropólogos e historiadores. A escolha dos atores foi bastante difícil, principalmente a atriz principal, que, na idéia inicial, seria alguém conhecida nacionalmente, mas a verba não permitiu. Então, Siloé e sua equipe caíram mais uma vez em campo, desta vez, percorrendo teatros, em busca de um perfil que lhe agradasse. Não encontrando, tentou puxar pela memória. Foi quando lhe veio à mente uma mulher que trabalhou em sua casa, que, com devida direção, conseguiu um resultado satisfatório ao antropólogo.

Embora uma verba de R$ 100 mil pareça muito, no universo das películas isso não é quase nada. Efeitos especiais nem entraram em cogitação, mas Siloé trabalhou com inovações na linguagem, por meio de aspectos ligados à contemporaneidade. Por tal razão, ao término das gravações, ele se viu praticamente sozinho, pois não foi possível bancar a equipe de produção. “Então, de repente, você se sente mergulhado em um oceano de informações, tendo que organizar sua cabeça”, desabafa.

Aproximadamente 200 pessoas participaram do documentário, todos alagoanos, entre equipe de produção, participantes das cenas, pessoas consultadas, como pais e filhos de santos, estudiosos da temática, amigos, ex-alunos, contribuindo da melhor forma possível na composição da obra. Ao todo foram 70 horas de gravação, trabalhando até 15 horas por dia, para 55 minutos de vídeo.

Sobre a produção, afirma: “Não tive problemas com a direção, com a edição, com as pessoas envolvidas, embora seja difícil organizar a equipe, lidar com estados de humor diferenciados e tendo que transitar rapidamente entre eles. O grande problema é o tempo, que é muito curto. O cinema gasta muito tempo, um minuto de filme pode gerar semanas de trabalho... é um trabalho pesado e eu sou uma pessoa que se entrega, caio de cabeça e quando termino tudo, geralmente estou arrasado. Mas feliz.”.

O documentário está promovendo um resgate cultural, pois não se prende apenas ao ano de 1912, abordado na primeira parte do documentário, que trata da perseguição em si. Ele entra no candomblé contemporâneo, mostrando danças e depoimentos acerca da questão do folclore e das representações afro-alagoanas. Também são apresentadas opiniões sobre a educação, a visão dos filhos de santo, enfim, posicionamentos que fogem da questão histórica propriamente dita.

Ele disse que pensou em um trabalho para o público, feito de modo que este compreenda o ocorrido: “Fiz da melhor forma possível, assim, o público vai saber o que foi, o que se pensa e o que o quebra dos terreiros representará para as próximas gerações”. Apesar do cansaço e das ininterruptas dores de cabeça, o resultado foi bastante positivo, além de um documentário, Siloé fez novas amizades e teve contato com realidades que não conheciam, algo que se constitui em um prazer para um antropólogo.


Histórias

Esse lado doloroso da história alagoana, marcado pelo preconceito e pela violência, possui uma infinidade de mitos e histórias mal contadas, todavia foi impossível colocá-los no documentário, visto que não havia espaço.

O local mais citado, onde todas as maldições foram lançadas, é o Palácio do Governo, já que o quebra dos Xangôs foi uma iniciativa de motivação política, nos idos do Governo de Euclides Malta. “Às vezes, algumas pessoas até se benziam quando se tocava no assunto”, relembra.

Dizem que existem exus, entidades que “abrem e fecham os caminhos”, plantados no palácio e que vários “trabalhos” foram enterrados em seus pontos cardeais. Dentre as pragas mais rogadas está: “Maceió é um dia só”, que prega que tudo que acontecer aqui, não sairá daqui, nunca irá para frente. Tendo em vista os últimos acontecimentos, que os Orixás tenham dó dessa cidade.


O Quebra

1912 – O Quebra de Xangô será exibido no dia 29 de agosto, às 20h, no Centro de Convenções. A trilha sonora, composta exclusivamente para o documentário é de Basílio Sé. A direção é de Siloé Amorim e tem como produtor executivo: Joabson Santos, diretor de fotografia: Juarez Cavalcante e assistente de direção: Laurindo Moroni.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 291

2 comentários:

Estêvão dos Anjos disse...

Muito bom o document�rio, o mais interessante que achei nele foi a abordaegm pol�tica, os fatores pol�ticos que contribuiram para essa persegui�o aos cultos afros.Esse document�rio mostra outra coisa tbm d muita relev�ncia que vai d encontr ao q muita gente prega q � a n�o produ�o cultural alagoana. o document�rio do Silo� mostra q Alagoas produz sim e coisa de qualidade.

gsmlobo disse...

Esse episódio da história alagoana ocorreu no governo do meu Bisavô, Euclides Vieira Malta, e eu tenho muito interesse em assistir tal documentário. Não sei, porém, onde encontrá-lo. Alguém poderia me ajudar? Meu e-mail é ginservio@yahoo.com.br

gino