terça-feira, 25 de setembro de 2007

Arte popular nos salões do Palácio



Uma romaria de pés de madeira; um altar com cabeças, fitas e terços; quadros com imagens de santos; mãos, pernas e braços; as cenas do cotidiano retratadas em madeira e sucatas numa intensa explosão de cores: muito amarelo, branco, azul e encarnado. As nuanças sagradas e profanas da cultura popular pousaram nas salas do tradicional e imponente Museu Histórico Palácio Marechal Floriano Peixoto, localizado na Praça dos Martírios, com a exposição Coleção de Arte Popular Tania de Maya Pedrosa, que apresenta uma parcela do acervo da artista plástica.

A abertura da exposição ocorreu no dia 21 de agosto, com a presença de apaixonados por cultura popular e interessados no assunto. Sobre a busca acentuada do público por elementos dessa veia artística, ela explica: “as pessoas procuram entrar nessa vertente porque ela dá alegria a quem a contempla, dá mais alegria para quem a estuda e mais alegria ainda para quem a conhece. É um encanto para quem se dedica, transforma-se numa compulsividade: quanto mais você conhece artistas, mais você quer conhecer; quanto mais você faz comparações entre os lugares onde vivem os artistas, mais você quer fazer. Você fica insaciável”. E pelo que se pode notar, essa alegria é um ciclo interminável.

A idéia de realizar essa mostra surgiu há algum tempo e foi concretizada quando Tania Pedrosa recebeu o convite de Osvaldo Viégas, secretário de Cultura do Estado. Ela, que já foi conselheira de cultura, nutre um profundo amor pela arte popular, embora já tenha estudado arte erudita, realizou diversas viagens por Alagoas e regiões do Nordeste, a partir de 1969, com o intuito de conhecer os ateliês dos artistas, além de suas vidas e aspectos referentes ao lugar em que vivem, assim, iniciou a aquisição de obras, com foco na arte pictórica, como quadros, e só depois esculturas. Dessa forma, acumulou um acervo de 1.500 peças, das quais selecionou 422 para a exposição, de curadoria de Romeu de Mello Loureiro e montagem de Jerônimo Miranda, segundo Tania, “um grande conhecedor de arte popular”.

O critério de seleção se fundamentou na necessidade de apresentar um embasamento social, cultural e antropológico, para que os visitantes pudessem analisar o desenvolvimento cultural da arte popular de Alagoas, que traz consigo toda a identidade do povo alagoano e conta sua história. Com o mapa geográfico do Estado em mãos, Tania escolheu os artistas mais notáveis e aqueles mais humildes, esquecidos, que não têm pretensão de expor e precisam de reconhecimento, bem como de ajuda financeira. Depois, olhando o mapa do Brasil, optou por representar a região Nordeste do país. Segundo ela, tal escolha foi feita pela riqueza do celeiro cultural nordestino, que possui um povo sofrido, cheio de cultura, mas com pouco acesso à globalização.

Na mostra, estão expostos trabalhos de artistas como os alagoanos: Mestre Fernando, Ronaldo Aureliano, Zezito Guedes, Sil de Capela, Zé do Bispo, João da Lagoa, Irinéia, Manoel da Marinheira, além de obras de artistas de Pernambuco – a exemplo de Mestre Vitalino, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte. Algumas delas são coletivas, às vezes, compostas por diversos membros de uma mesma família, caso de Manoel da Marinheira, revelando uma peculiaridade da cultura popular. Já os artistas que ensinam sua arte a seus parentes e pessoas da comunidade em que vivem, ou seja, aqueles que “fazem escolas”, são conhecidos como Mestres.

No caso de Alagoas, ela destaca que o Estado apresenta um aspecto muito importante para os estudos: uma cultura pouco perecível, com expressões adequadas à dura realidade que os artistas vivem, por isso tanta dedicação aos ex-votos – quadros, imagens, inscrições ou ainda representações de órgãos, geralmente de cera ou madeira, oferecidas aos santos de devoção para cumprir alguma promessa -, pois a religiosidade e a conservação dos costumes são fortes tendências no Nordeste. “Eu acredito que os ex-votos são uma parte muito importante da nossa cultura, porque revelam a relação entre as pessoas que fazem a promessa, o artista e as romarias. Essa relação começa com o sofrimento de pessoas que, muitas vezes, não têm condições financeiras de comprar remédios, então fazem promessas e se tratam com folhas medicinais. Quando alcançam a graça desejada, fazem romarias e oferecem os ex-votos, isso ocorre principalmente em Juazeiro, onde os ex-votos são levados ao Padre Cícero”, afirma.

A maioria dos ex-votos expostos é de artistas anônimos, um hábito bastante freqüente, pois a composição destes não é feita por artistas renomados. Alguns estudiosos já estão desenvolvendo trabalhos com as cabeças oferecidas em promessas, analisando suas feições, geralmente tristes e preocupadas, emitindo certa agressividade, fato esse que as situa no conceito de “art brut”, que, numa tradução literal, significa arte bruta.


Arte bruta

A art brut possui várias terminologias e foi – e continua sendo - fonte de pesquisas para muitos estudiosos da mente humana, a exemplo da psiquiatra alagoana Nise da Silveira e da crítica de arte e colecionadora Ceres Franco, brasileira que mora na França há 50 anos. Ela se constitui na expressão de imaginários mais agressivos, às vezes monstruosos, em geral figuras animalescas, com uso de expressões fortes e enlouquecidas, olhos esbugalhados, sorrisos com um ar macabro, que, embora façam parte da cultura popular, fogem aos seus moldes tradicionais, de anjos e santos, e foram inseridas na exposição por atingirem um âmbito social, psiquiátrico e artístico. Logo, os visitantes terão contato com dois universos da cultura popular: um ligado à religiosidade e outro, ao imaginário.

É interessante observar como as obras do acervo de Tania Pedrosa apresentam similaridades entre si e em relação a artistas bastante conhecidos no mundo das artes, a exemplo do pintor espanhol Pablo Picasso. De acordo com ela, isso ocorre instintivamente, por ação do inconsciente coletivo e, para melhor explicar tal fato, compara essa situação às obras encontradas nas cavernas, que estão presentes no campo artístico até os dias atuais: “Os artistas se renovam com a mesma literalidade, sem terem se conhecido”.

Considerada por Ledo Ivo, imortal da Academia Brasileira de Letras, como uma guardiã de tesouros, Tania acredita que as peças expostas e as outras que abriga em sua casa servirão não só para a apreciação, mas como objetos de estudo, visto que, se bem cuidadas, vão durar por muitos anos: “Elas podem até precisar de uma restauração, no futuro, mas nunca vão se acabar”, diz a colecionadora, que pretende transformar o acervo que possui em casa em um museu vivo, chamado “Casa do Imaginário”, sonho que pretende concretizar em breve e, para tanto, necessitará do apoio do Governo.

Tania Pedrosa atenta para a importância de divulgar os valores culturais alagoanos, inclusive para o fortalecimento da atividade turística, postura que muitos Estados estão adotando, visto que os turistas têm verdadeiro fascínio pela cultura popular. Porém, é fundamental que o alagoano conheça a arte que tanta relação tem com sua identidade e que isso se torne um hábito independente da idade que possua.


A exposição

A Coleção de Arte Popular Tania de Maya Pedrosa estará aberta à visitação até o dia 28 de dezembro, das 9h às 17h, no Museu Histórico Palácio Marechal Floriano Peixoto, com entrada gratuita. O acervo de Tania Pedrosa também está disponível no site www.taniapedrosa.com.br

2 comentários:

Unknown disse...

historia de uma vida estudo e pesquisas para historiadores sociologos antropologos
uma caminhada dista de 40 anos caminhando pelos encantamentos que a arte popular e seus arttista oferecem

Unknown disse...

entrar nos caminhos dos comhecimentos da arte popular em todas suas categorias e tao fascinante que nao se consegue sair mais e misterioso e as pesquisas sao maravilhosas experimentem