sábado, 8 de setembro de 2007

Em busca do diferencial





Um fundo neutro. Branco no álbum, negro no slideshow, propício para emoldurar as imagens que retratam as cenas do cotidiano, ora imprevisíveis, ora elaboradas, surpreendentes e ousadas, sempre carregadas de emoções. O contraste é dado pela presença de duas cores: azul e rosa, que, há um certo tempo, passaram a ter um maior destaque no mundo virtual.

Com uma proposta de oferecer às pessoas um espaço para divulgarem suas fotografias, de modo organizado - como nos famigerados álbuns, contendo, inclusive, um espaço para os comentários de quem as visualiza, o site www.flickr.com, que se apresenta como “provavelmente o maior aplicativo on-line de gerenciamento e compartilhamento no mundo”, está conquistando cada vez mais adeptos, principalmente depois que a versão em português chegou à Internet. Através dele, principiantes e profissionais no campo da fotografia trocam informações sobre técnicas, iluminação, composição, bem como impressões e opiniões sobre os trabalhos expostos. Desse modo, nasce uma relação artista-obra-público, que em muito contribui para o desenvolvimento de uma percepção mais ampla e voltada para a arte, dando às fotografias uma conotação que vai além do “retrato de um instante”.

A câmera fotográfica, nos dias atuais, é praticamente um acessório. Livre dos filmes e do suspense de ter de esperar a revelação destes para conhecer o resultado do que foi fotografado, a máquina digital provocou uma verdadeira revolução no universo da fotografia: uma maciça produção, às vezes, até exacerbada, na qual nada escapa à objetiva, reuniões de família, festas, momentos de solidão, expressões fabricadas ou espontâneas, detalhes, enfim, qualquer coisa, literalmente, pode ser o objeto fotográfico, em especial no caso dos jovens. Assim, ocorreu uma banalização da imagem, que, utilizada apenas para revelar tais instantes a algumas pessoas, constituía-se numa atitude narcisista, sem fundamento, nem teor artístico, provocando um número expressivo de imagens capturadas automaticamente, onde se preza a quantidade e não a qualidade. Porém, como em todo os meios que reúnem indivíduos, existem exceções.

Seguindo a tendência de séculos anteriores que revelaram talentos juvenis, a exemplo do poeta Arthur Rimbaud, que fez verdadeiras obras-primas muito antes dos 30 anos, alguns jovens estão utilizando o meio virtual para desenvolver um trabalho mais consistente e voltado para a arte, adotando uma postura mais madura, direcionada para a criação de um estilo, um conceito ou apenas para imprimir sua essência e revelar sua forma de ver o mundo. Esse é o grande diferencial do Flickr em relação aos outros sites, é o que faz dele um canal para que seus participantes busquem construir um trabalho que será absorvido não só por seus amigos, mas por pessoas de todo o mundo, com diferentes vivências e olhares.

Em busca do inusitado

Romário Carnaúba, 20 anos, estudante de Administração da Ufal e apaixonado por fotografia, conheceu o Flickr vasculhando a Internet. Abriu sua conta em outubro de 2006 e, desde então, veicula suas fotografias favoritas no site, na verdade, exibe o que denomina como portfólio. Ele começou a fotografar em meados de 2004, época em que ganhou sua primeira máquina fotográfica, mas seu trabalho era voltado para um site de cobertura de eventos, na cidade de Viçosa, sua terra natal.

Apesar de não ter influências de fotógrafos famosos, preferindo se basear naquilo que observa, já possui um estilo próprio, utilizando jogos de luz e sombra, trabalhando com ângulos e composições, buscando desafios para fotografar o inusitado. Sobre a experiência de fotografar, ele afirma: “Em pequenos gestos, atos, eu enxergo uma fotografia... O mundo pára e só a cena que vejo se movimenta. É como num filme, tudo está escuro e eu só vejo a cena enquadrada”, enquanto fala, gesticula, em uma tentativa de mostrar alguns aspectos que prioriza em suas fotografias, como a espontaneidade. Quando sai com a câmera, sempre emprestada, pois está há um bom tempo sem o equipamento, busca não pensar no que vai capturar: “Deixo para o acaso, é o ver para fazer. Mas procuro transmitir sensações, sentimentos, por isso gosto de fotografar pessoas, capturar suas expressões, o movimento dos olhos”, segundo ele, à fotografia é possível até expressar palavras.

Com o Flickr, pôde compartilhar o seu trabalho com pessoas de todo o mundo, que, além de observá-lo, sempre tecem algum comentário, de um simples “parabéns” até análises mais profundas. Romário, que no site adotou a alcunha de Romaro, diz que o Flickr tem uma grande vantagem em relação aos demais sites, pois cede espaço para as fotografias, conservando a qualidade destas, o que é muito importante para os usuários do site, que se inscrevem nele, em geral, com o objetivo de expor suas produções. Em visitas ao site, ele afirma já ter conhecido muitos trabalhos dignos de outdoors, anúncios e exposições.

Em sua página, é possível visualizar fotografias de crianças, ensaios com uma banda de rock e com alguns amigos, imagens obtidas em um passeio pela feira e durante uma rave, temas variados, mas direcionadas para o foco artístico, pois pretende adquirir cada vez mais bagagem e, num futuro próximo, trabalhar com fotografia, provavelmente, publicitária.

Construindo um estilo

E foi conversando com Romário que Sionelly Leite, 20 anos, estudante de Jornalismo da Ufal, tomou conhecimento do site. Sua relação com a fotografia surgiu em 2005, quando a Universidade ficou parada por três meses, em decorrência de uma greve. “Ficava em casa, à tarde, sem fazer nada. Então, pegava a máquina, que estava jogada dentro de uma gaveta, e começava a fotografar o que achava interessante. Mas, com tantas tardes fotografando, fui buscando ver em cenas e situações do cotidiano uma nova visão... Foi a partir daí que comecei a achar a fotografia interessante, porque eu estava dentro da minha casa, e quando eu colocava a câmera diante de mim, era como se fosse tudo novo”, relembra.

Da intimidade de sua casa, saiu para as ruas, onde captura as diferentes realidades espalhadas pelas ruas maceioenses. Seu trabalho é mais voltado para o fotojornalismo, com influência do fotógrafo Sebastião Salgado, no qual tenta descrever situações por meio da captura de cenas ou expressões faciais, na linha de que uma imagem pode valer mais que mil palavras: “a beleza do fotojornalismo é poder mostrar às pessoas que elas passam pelas ruas, vêem crianças trabalhando, ao invés de estar na escola, e simplesmente ignoram. Através de uma foto, você vai poder fazer com que essa mesma pessoa pare e analise a mesma situação, de um outro jeito. Claro que a pretensão não é querer mudar o mundo, através disso, mas, de repente, fazer com que alguém sinta o que mesmo que você”, exemplifica.

Desde 2005, mantém suas fotos em sites direcionados para tal fim, mas, em maio deste ano, optou por canalizar seu trabalho em um só local, então, escolheu o Flickr, por sua proposta mais séria, que permite o contato com outras pessoas e a troca de informações construtivas. Trabalhando há dois anos e meio com fotojornalismo, ela tem recebido comentários positivos em seu Flickr: “não sei se por educação, mas as pessoas me dão incentivo, gostam do que faço... ainda tenho muito que aprender, estou no período de construção do meu estilo e de elevação da minha sensibilidade. Fotografia é algo muito incerto, porque tem aquele lance de ‘estar no lugar certo, com a câmera certa’.” Em relação ao seu estilo, nota-se uma melancolia poética, em crianças, idosos e mulheres, sempre destacando o olhar dessas pessoas.

Romário e Sionelly seguem ainda uma tendência que está em alta nos últimos tempos: a utilização do preto e branco, o que dá bastante expressividade às suas fotografias. “Eu faço as fotografias de modo normal, em cores, depois passo para preto e branco com um programa próprio para isso. Quero que as pessoas imaginem as cores, de acordo com o que sentem”, explica Romário.

Ponto de encontro

Na visão de Ricardo Maia, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP, o Flickr é um movimento artístico-criativo internáutico, uma galeria virtual, algo típico da era digital. Ele considera que esta é uma proposta bastante interessante, pois permite que sejam realizadas trocas simbólicas de experiências estéticas, que influenciam no processo criativo, através do que denomina como sociabilidade intelecto-virtual. “Percebe-se que se formou um ponto de encontro virtual, de caráter criativo, que envolve uma tecnologia recente, caso da fotografia”, analisa.

Quanto à questão da mudança de foco, do caráter mais caseiro e festivo, para o artístico, Ricardo afirma que é uma revolução de uma cultura, algo como uma busca pelo encanto perdido, na qual cria-se uma identidade, através do diferencial. Isso é visível na necessidade que esses novos fotógrafos têm de retratar o cotidiano, constituindo-se numa prática quase científica de observação e experimentação, pois “o cotidiano é vida”. E é o diálogo com o outro que permite o crescimento do trabalho: “O indivíduo só pode ser reconhecido pelo outro, é uma espécie de espelho, que lhe permite ver suas falhas e o que faz de original”. O psicólogo afirma ainda: “Esse é um traço comum à sociedade pós-moderna, onde a imagem é cultuada ao extremo e a cibercultura reforça a dita ‘sociedade do espetáculo’.”.

www.flickr.com/photos/sil_leite

www.flickr.com/photos/romaro


Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 293

2 comentários:

Estêvão dos Anjos disse...

Gostei muito desse texto além de me apresentar e explicar algo que não tenho muito contato ( a fotografia) ela foi reveladora tbm para conhecer mais o lado profissional e artista de pessoas com que convivo.

Patrícia Brito disse...

Muito legal seu blogger. Conheça os meus.

abraços.