Quem está habituado a ouvir, nas tardes de sábado, a bela voz de Gal Monteiro, no programa Vida de artista, da rádio Educativa FM, vai se surpreender com sua atuação no campo das letras. Propagadora do jornalismo cultural, lançará no dia 23 de outubro, na Bienal Nacional do Livro, um livro de contos que expressam a sua essência, as observações que faz do cotidiano, utilizando personagens do seu convívio, das ruas e de viagens que realiza, com algumas pitadas de ficção. Se eu calar você me esquece, se eu contar você me abraça? foi um dos vencedores do prêmio Alagoas em cena, de 2006, na categoria conto.
O livro, editado pela Edufal, reúne 10 contos de temáticas completamente diferentes, onde Gal transita entre narradora e personagem, alternando entre um e outro, em um intenso mergulho no universo da arte de contar histórias, uma grande paixão da jornalista. Quando se coloca como protagonista de um conto, dota-se de aspectos que gostaria de ter, caracteres que revelam seus anseios e pulsões mais intensas. Segundo ela, a inscrição no projeto deu-se de forma um tanto desordenada, caótica, da seleção dos contos à escolha do título, principalmente porque, na época, estava com impasses profissionais, além das típicas problemáticas pessoais, que,de certa forma, fomentam a produção artística da autora.
Primeiro, ela fez um apanhado de tudo que havia produzido, principalmente nos tempos de faculdade, embora tenha o hábito de escrever desde a infância, quando preenchia páginas e mais páginas de diários, descrevendo “as ninfas dos bosques de Viena”. Alguns deles passaram por revisões, outros foram totalmente reformulados, a exemplo de seu poema que ficou em segundo lugar, num concurso promovido na época em que cursava jornalismo na Ufal, encontrou-o manuscrito, conservando a mancha de vinho que sobre ele caiu, no dia da premiação.
Seus contos possuem algumas descrições dos absurdos da vida, beirando o realismo fantástico, como no conto em que descreve a saga de dois vendedores de lingerie, mineiros, que, após descobrirem o que é marketing empresarial, no sentido de inovar e ampliar o seu mercado, fazem uma liquidação dentro de uma igreja; outros deságuam no campo da biografia; alguns versam sobre o jornalismo, mas todos traduzem Gal Monteiro, em especial o conto que encerra o livro De volta à Vila Rica - De Marília & Dirceu a Maiakovski & Lili. A autora possui uma intensa relação com Minas Gerais, terra que lhe deu vínculos, amores e vivências.
Então, só restava a escolha do título para finalmente inscrever-se no Alagoas em Cena. Embora goste de intitular textos, sentiu uma certa dificuldade em nomear seu primeiro livro, porém, em um insight, dentro do ônibus, o nome simplesmente veio, sem um sentido previamente elaborado, mas bastante conveniente à cena cultural alagoana e ao projeto de Gal Monteiro. O título possui várias conotações, pode ser traduzido como a necessidade do artista, de um modo geral, de ser reconhecido, a luta do conto contra o silêncio, a efemeridade da palavra ou, de forma mais simples, a sede por um afago, por um instante de atenção após dividir-se determinado instante.
O prefácio foi elaborado pela própria autora, com a denominação Um Deus que morre todo dia, levanta questões filosóficas acerca do ofício do escritor, que nasce e morre todos os dias, pois é dotado da capacidade de criar e recriar os fatos. Daí a relação que faz entre este e a fênix, ave mitológica que renasce das cinzas. Ela classifica o escritor como “um ser dotado de emoções, de todas elas, se preciso. Ora um personagem, ora outro, ele segue formando um caleidoscópio que, ao fim de tudo, é sua imagem e semelhança”. A orelha é de autoria de Elenilda Oliveira, também jornalista e amiga de longas datas de Gal, já Agélio Novaes, artista plástico, concedeu uma de suas obras para a ilustração da capa.
Seus personagens são geralmente amigos que, algumas vezes, têm dificuldade para se “encontrar” nas ações e peculiaridades retratadas por Gal, que o faz com muita sutileza, trocando-lhes os nomes e dando-lhes uma nova personalidade.
Fã declarada de histórias em quadrinhos, considera-se uma leitora aberta aos mais diversos segmentos da literatura e acredita que os autores que conhece constituem em uma base para suas produções, mas não indica influências específicas, apesar de admirar Machado de Assis, Graciliano Ramos e escritores contemporâneos como Sidney Wanderley, Arriete Vilela, Carlos Nealdo, Vanessa Alencar, Nilton Resende, enfim, uma vasta lista que engloba diferentes estilos, de maneira rica, e que cresce gradativamente. Em geral, focaliza seus contos em suas experiências, na percepção da força das cidades e na expressividade dos desconhecidos, que tanto se revelam, mostram-se como protagonistas nos pontos de ônibus e esquinas.
Gal Monteiro diz que seus textos se enquadram em um tipo de “romantismo urbano”, visto que buscam realizar uma “leitura romântica do mundo”, mas não ligada a príncipes encantados e afins, apesar de ter uma forte admiração por castelos, sótãos, e porões. É uma visão que se prende ao belo em suas mais variadas formas, de modo libertário e desapegado dos padrões convencionais, “impregnada de informações, com ruídos na comunicação, que contém as decepções, mágoas, tristezas e experiências de todos os quilates, um verdadeiro refúgio para quando se deseja sair da realidade”, afirma.
Ela explica que possui uma relação crítica com seus escritos, pois não costuma se deslumbrar com os comentários, geralmente elogios, que recebe de amigos, como a jornalista Lúcia Rocha. Também está aberta a críticas, visto que são etapas fundamentais ao processo criativo de qualquer artista, seja ele da música, do teatro ou da literatura.
Musicando versos
No que concerne ao campo das artes, Gal Monteiro enveredou por grande parte das vertentes. Além de poesias e contos, possui composições com os cantores Deyves e Júnior Almeida, musicando, inclusive, alguns versos, tendo a voz como instrumento musical. Participante do Coretfal, ela já fez alguns shows, o último, em 2004, batizado como Fênix, relembrou os tempos em que era vocalista da banda Caçoa mas não manga, grupo formado por 11 amigos, que movimentou a cena musical alagoana nos anos 1980.
Acostumada ao ritmo frenético das redações de jornal, sente-se bastante a vontade com a liberdade que o texto literário possui, que se permite ficar inerte, por dias, anos, aguardando o momento conveniente para ser moldado. A experiência da participação em um projeto que contempla produções locais estimulou bastante Gal Monteiro, não só a produzir novos contos, mas também na elaboração de um novo livro.
Se eu calar você me esquece, se eu contar você me abraça? poderia ser comparado à flor de mandacaru, que se mostra altiva e bela, mesmo dentre os espinhos e a paisagem árida, pois expressa o fluir das emoções, a precisão observadora do jornalismo aliada à visão dos indivíduos como personagens de uma encenação ilimitada, imprevisível, onde os sentimentos se misturam e as mentiras são verdades disfarçadas e maquiadas, prontas a serem contestadas ou incluídas nos padrões do crível.
Trecho do livro
“Os olhos do rapaz brilhavam, sob o sol frio de final de tarde e, mal disfarçadas, duas lágrimas grossas e sentidas desceram-lhe pela face rosada. E mais duas. E mais outras tantas. Lúcia apenas pousou uma das mãos sobre o ombro do moço, lembrando-lhe que poderia escolher entre falar e apenas desaguar”. (De volta à Vila Rica - De Marília & Dirceu a Maiakovski & Lili, pg. 77)
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