sábado, 21 de julho de 2007

O retrato do olhar enquanto arte


Do instante de consciência até o primeiro esboço, das cavernas à argila, do papiro às colunas, das telas aos banners, talvez a forma mais direta e incompreensível do homem externar sua essência seja a arte. De análise puramente subjetiva, é um meio de transformar o comodismo do dia-a-dia em algo digno de contemplação, pois consiste numa interferência que foge aos padrões dos porquês e para quês, que rompe os limites dos preceitos e fornece uma visão que, independente do tema, pode ser sarcástica, bem humorada, melancólica, carregada de emoções díspares que se unem, contradizem-se e, algumas vezes, são obras que não dizem nada, até que o espectador entre em interação com ela, por meio da reflexão. Nesse caso, fala-se de arte contemporânea, um conceito muito amplo, que engloba diversas formas de expressões e concepções que variam de artista para artista, representando o seu caráter único dentro das múltiplas possibilidades estéticas.

Sob a curadoria da produtora cultural Ana Glafira, a exposição 1 (Hum), parte do 1º Ciclo Alagoas de Artes Visuais, traz um intercâmbio entre várias gerações de artistas e produções, no campo da fotografia. Em sua maioria alagoanos, eles se aventuram de maneira lúdica e intensa na expressão de suas individualidades, utilizam-se de recursos visuais impactantes e instigantes, alguns, com o auxílio de softwares que permitem a introdução de artifícios, a sobreposição de imagens, a distorção de elementos, a explosão das cores. Com exceção de Delson Uchoa, renomado artista plástico, os participantes da exposição não são artistas em tempo integral, exercem outras profissões, mas mantêm um elo com o campo das artes, caso de Yvette Moura, fotojornalista que, entre um fato e outro, captura instantes ímpares do cotidiano, o belo que, por habitar o comum, passaria despercebido.

Para o evento, foram escolhidas obras que apresentam poeticidade e se inserem no campo da experimentação, não só em suas composições, mas no suporte utilizado para mostrá-las ao público, não mais as típicas molduras, e sim objetos da contemporaneidade como placas, banners, adesivos, advindos principalmente da publicidade, responsável pela confusão e poluição visual que invadiu as ruas nas últimas décadas. O público é, então, convidado a um passeio pelas subjetividades de cada artista, a uma desconstrução do olhar através da percepção de novas formas de representar a realidade, desprovida de estereótipos.

Como as outras exposições do ciclo, 1 (Hum) tem o objetivo de despertar no alagoano o interesse pelas artes visuais, que, por natureza, está incluída em todos os tipos de artes, seja na cenografia de palcos ou na ilustração de encartes, além de promover o contato deste com talentos já consolidados e em ascensão. Apesar de todas as dificuldades presentes no Estado de Alagoas, desde a ausência de iniciativas que priorizem as artes como um todo até a precária divulgação de seus produtos e produtores culturais, o que resulta em um atraso gritante em relação a outros Estados, a exemplo de Pernambuco e Bahia, Ana Glafira afirma estar bastante satisfeita com o resultado das exposições do ciclo, pois esse atraso não se aplica às obras dos artistas alagoanos, que possuem autenticidade e ousadia suficientes para terem seus trabalhos expostos em qualquer galeria do Brasil e condizentes com a evolução dos movimentos artísticos, no que concerne à arte contemporânea, de todo o mundo. Logo, será um erro esperar que 1 (Hum) apresente elementos da cultura “alagoano-nordestina”, como chapéus de guerreiro, praias e afins. Ela vai muito além de tudo isso, deixa de lado as questões de identidade cultural e cede lugar para o ápice criativo, que denota um jogo de cognição e liberdade para se expressar e materializar suas criações.

Dessacralização do objeto de arte

De acordo com Tchello d’Barros, esse tipo de projeto proporciona a aproximação das pessoas e o diálogo com outras gerações. Artista visual e escritor, na mostra, ele apresenta um trabalho de fotografias de tampas de bueiros, na verdade, metáforas para provocar a curiosidade do público, “Afinal, o que está escondido?”, alguns podem se perguntar. O interessante é que elas estão coladas no chão, podendo, inclusive, ser pisadas pelos passantes, o que faz do objeto artístico algo não-sagrado, onde é permitido tocá-lo, senti-lo, interferir nele. Se os bueiros capturados por Tchello estavam desgastados, é previsível o que acontecerá com os que estão expostos em 1 (Hum).

Participantes

Ana Glafira explica que alguns dos participantes do evento foram pinçados dos cursos do ciclo, através da leitura de seus portfólios, e agora têm a oportunidade de apresentar pela primeira vez seus trabalhos, como Rafael Poly e Felipe Camelo. Além deles, participam da exposição: Amanda Nascimento, Ana Glafira, Camila Cavalcante, Camila Moreira, Delson Uchoa, Flora Uchoa, Gustavo Boroni, Kadu Fonseca, Maíra Villela, Nataska Conrado, Nímia Braga, Paula Marroquim, Pedro Verdino, Renata Voss, Sandro Egues, Sandra Quintela de Aguiar, Tchello d’Barros, Thereza Coelho, Valéria Simões, Vítor Braga, Wado e Yvette Moura.

Ciclo

O 1º Ciclo Alagoas de Artes Visuais é uma iniciativa de Ana Glafira em parceria com Tchello d’Barros, com patrocínio do programa BNB de Cultura. Atuando desde março de 2007, tinha o objetivo inicial de promover cursos na área das artes visuais, mas devido à necessidade de oferecer a Alagoas um projeto amplo, que possibilitasse a reflexão e a produção, não como fatos isolados, mas intrínsecos, a idealizadora uniu-se a os artistas para incrementar o ciclo com palestras e exposições. O resultado dessa fusão foi um evento que surpreende pela beleza artística e pela quantidade de informações em circulação.

O público que freqüenta o ciclo é formado principalmente por estudantes de arquitetura, design gráfico, comunicação social e profissionais liberais de diversas áreas. Em geral, o impacto das obras produzem três reações distintas: algumas pessoas rejeitam à primeira vista, outras buscam compreender o processo criativo e a intenção do artista, e ainda há aqueles que captam a essência da obra e, a partir daí, fazem o seu juízo de valor.

Durante o ciclo, foram realizados os cursos: Representações Contemporâneas, com Moacir dos Anjos; Fotografia Expandida, com Angélica de Moraes; Poesia Visual, com Tchello d’Barros, Arte Tecnológica: Aspectos Poéticos e Estéticos, com Cleomar Rocha e Uma História da Fotografia Brasileira, com Nadja Peregrino. As exposições acontecem sempre no MISA, em Jaraguá; na Casa da Arte, na Garça Torta; e no SENAC, no Poço.

O evento

A exposição 1 (Hum) foi inaugurada no dia 19 de junho, com a exibição dos vídeos experimentais: Através dos Olhos de Vidro, Camila Cavalcante; Derivado de Minha Beleza, Fernanda Gomes e Luciana Barros; Autorretrato em Rojo, Fernanda Gomes; Até Quando?, Flora Uchoa; Bulhufas, Nataska Conrado; Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar Maldito, Renata Brito; Todo Amor Esfria, Ygor Gama.

A visitação abrangerá o período de 20 de junho a 30 de julho. De segunda a sexta, de 8h às 21h e aos sábados, de 8h às 12h, na Galeria de Arte do SENAC.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 285

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