domingo, 12 de agosto de 2007

Aldeias nas ruas

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Eles estão em várias partes da cidade, concentram-se principalmente nos shoppings, em praças, como a Vera Arruda, e na orla, em especial no Posto 7. Discutem os mesmos assuntos, assemelham-se no modo de se vestir, nos gostos musicais e nas gírias, criando, inclusive, um vocabulário próprio. Surfistas, punks, roqueiros, hippies, emos, alternativos e tantas outras infinidades de grupos compõem o que se convencionou chamar de “tribos urbanas”, que expressam não só uma filosofia de vida, mas representam épocas e constituem-se em uma forma de unir aspectos de similaridade, por meio do compartilhamento de identidades culturais.

O termo tribo faz parte dos estudos das teorias antropológicas e é utilizado na identificação de grupos sociais, mas, na expressão tribos urbanas, possui outra conotação. Segundo Ricardo Maia, Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP, tal denominação tem um sentido simbólico e serve para identificar conjuntos de indivíduos que vivenciam o mesmo estilo de vida e de estética, numa tendência a abolir o individualismo. Para explicar melhor como, há séculos, essa questão é tema de estudos, ele cita um importante pensador grego: “Aristóteles já dizia que o homem é um ser social”. Então, com a necessidade de fortalecer suas idéias, legitimar um estilo e se sentir pertencente a um determinado grupo, as pessoas passam a se associar nessas pequenas sociedades.

Maia diz que os estudiosos trabalham com várias nomenclaturas, mas destaca duas: grupúsculos e grupelhos. Sendo que a segunda possui uma interpretação interessante: “grupelhos são ‘grupos de espelhos’, pequenos grupos de pessoas narcisistas, onde uma reproduz a imagem da outra”, por isso tantas semelhanças entre seus membros. Ele dá um bom exemplo da necessidade do ser humano de se fixar nas referidas tribos: “basta observar uma festa, uma família, melhor, uma praia. Em quilômetros de litoral, as pessoas se concentram em determinados pontos, então, elas não estão lá apenas para entrar em contato com a natureza, mas, em busca de ver outras pessoas, paquerar, exibir seus corpos bonitos e queimados pelo sol”.

Permutas entre as ciências

São várias as áreas de conhecimento que tentam destrinchar as origens, comportamentos e peculiaridades dessas tribos, a exemplo da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia, nas subdivisões Antropológica, Social, Freudiana – em sua última fase, e da Psicanálise, que, na concepção de Ricardo Maia, possui um entendimento maior sobre o tema por estudar de maneira mais profunda a mente humana. Porém, numa sociedade pós-moderna, com forte influência da mídia, não é possível analisar os casos isoladamente, pois, o grau de complexidade dos indivíduos e da sociedade está cada vez maior, de modo que é necessário que as ciências humanas e sociais dialoguem, façam permutas entre si, a fim de oferecer resultados mais precisos, levando em consideração que esse é um dilema que está longe de ser resolvido, visto que, de acordo com a teoria freudiana, a linha entre o individual e o coletivo é imaginária. E para quem deseja se aprofundar do assunto, vários teóricos podem ser estudados, como Freud e Jung. Ricardo sugere um livro de Michel Maffesoli: O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa.

Rótulos

No que diz respeito à faixa etária dos membros das tribos, nota-se que eles são geralmente jovens, mas não são adeptos de expressões que os denominem. “Rótulo é sempre chato. Não me encaixo em nenhuma tribo, mas eu já tive umas bandas de rock... Acho que estereotipar alguém como de certa tribo é desnecessário e só gera preconceito”, diz Léo Cardoso, 21 anos, estudante de Direito da Ufal. Da tribo dos surfistas, Diogo Rezende, 21 anos, estudante de Nutrição do Cesmac, acredita que “a sociedade determina que todos precisam ter um estilo, pondo nome e valor em tudo que existe, e as pessoas que se prendem muito essas coisas, acabam correndo rumo ao rótulo”.

Se bem que, hoje em dia, é difícil mensurar a quantidade e os tipos de tribos que existem, mas nota-se que elas têm íntima ligação com os estilos musicais. “É uma forma de especificação natural. A sociedade sempre costuma diferenciar as classes, seja por cor da pele, religião ou monetariamente. A classificação em tribos musicais é só mais uma e, como isso virou uma moda, a molecada termina seguindo uma linha, andando com pessoas que gostem do mesmo som, vistam as mesmas roupas... E isso não pára de crescer. É um processo de imitação, seja naturalmente, feito pela preferência de cada um, ou até pela influência dos amigos”, afirma Léo.

Identificá-los é uma verdadeira saga. Franjas, mechas coloridas, vocabulário cheio de xis, bonequinhos meigos, tons de rosa e azul bebê, esses são os emos, que, ultimamente, têm sido bastante rejeitados. Moicano, coturno, o famoso A de anarquia, representam os punks. Olhos pintados de preto, roupas pretas, correntes e cruzes prateadas fazem parte do universo gótico. Estilo paz e amor, saias longas, chinelos de couro, assessórios artesanais: hippies e adeptos do reggae. Os playboys são aqueles caras de camisas justas, revelando braços malhados, calças jeans e tênis de marca, boné combinando com visual. Já os surfistas andam de bermuda floral, camisa regata, num estilo bem largado. Também largados são os skatistas, só que eles usam bermudas folgadas e boné. Os alternativos vestem e falam o que querem, misturam estilos e não se importam com moda, fator fundamental na indumentária das patricinhas.

É impossível apresentar as características de todas as tribos, talvez um manual ajudasse. Um canal para “filtrar” algumas delas, pelo menos as mais importantes, e conhecê-las melhor é fazer uma busca no site de relacionamentos Orkut, que, depois da Internet, pode ser considerado uma das maiores tribos globais do últimos tempos.

Próprios botões

É importante que as pessoas percebam que suas atitudes não devem ser cerceadas pela influência de um grupo, independente de sua natureza e importância, nem tampouco se enraizar em suas individualidades. É nesse ponto que Ricardo Maia retoma Aristóteles que atestava a existência de dois tipos de vícios: um por excesso e outro por falta e completa: “o homem deve pensar sozinho, com seus próprios botões, lembrando-se de que esses botões também são sociais”.

Diogo Rezende encara essa questão de forma madura, enxergando que as tribos mais carregadas de estereótipos fazem parte da juventude: “a pessoa vai crescendo e vendo que a única tribo que existe é essa aqui que a gente vive... A tribo do planeta terra!”.


Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 289

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom é pouco. Excelente. Matéria à parte, vejo a Paulinha como uma grande promessa no âmbito do jornalismo, principalmente cultural. Numa profissão onde a hipocrisia e dissimulação parecem predominar, pelo menos em dias atuais, enxergo a Paulinha como uma das poucas luzes no fim do túnel que eu conheço. Parabéns, sra. Félix. Ah!... Uma última observação... Não são só playboys que têm braços sarados...! auhauahuahuahu... Beijos

Alexandre_kiko disse...

De vez em quando passo a vista em alguns textos. Hoje decidi passar aqui no seu blog. Pequeno resumo dessa matéria: MUITO FODA!