domingo, 29 de julho de 2007

Encontro das Águas


Era uma vez, um jovem que queria ser jogador de futebol e acabou virando cantor. Começou nos bares, participou de festivais, compôs canções que fizeram parte da trilha sonora de novelas e, após muito empenho, conseguiu entrar nas paradas musicais e arrebatar multidões. O ano era 2002, e o Brasil cantava uma música que falava de amor, um sentimento intenso, que pertencia a um artista também intenso. A música era Que Nem Maré, e o cantor, Jorge Vercilo, que será a próxima atração do projeto MPB Petrobrás.

Nesta entrevista exclusiva, dada por telefone, ele falou da sua carreira, da sua relação com Maceió e com o Nordeste, do mercado musical, do futuro da música e dos CDs, com a chegada de novas tecnologias. Jorge fala também da experiência de participar do projeto MPB Petrobrás, tece críticas à Lei de Meia-entrada e promete um show verdadeiro, que certamente vai refletir a boa fase que está vivendo, com canções de seu DVD “Ao Vivo”, sucessos de outras épocas e a canção inédita Líder dos Templários, composta para um show em homenagem a São Jorge.

Como começou a sua carreira?

Comecei minha carreira tocando na noite. A noite foi minha grande escola, nos bares, conhecendo músicos, compositores e, a partir daí, eu comecei a participar de festivais, através da minha verve de composição, da inspiração de compor, de criar, e neles, eu testava minhas músicas.

Qual a sua relação com os festivais?

Eu me lembro que, em 1988, estava concorrendo no Festival de Avaré – SP, com a música Encontro das Águas, uma música inédita, que ainda não tinha sido gravada, composição minha e do Jota Maranhão. Ficamos em segundo lugar... Participei várias vezes do Festival de Avaré. Em 1989, concorri com Alegre, música do meu primeiro disco, em Curaçau, no Caribe. Em 1991, participei do Festival do Carrefour, com a música Meia Luz. Então, foram vários festivais, culminando com o último que eu participei, da Rede Globo, no ano 2000.

Quais são as lembranças que você tem do show que fez em Maceió, no início de sua carreira?

Esse show de Maceió foi a primeira vez que eu saí do Rio de Janeiro para fazer um show em outra cidade, profissionalmente e não para tocar na noite. Isso me marcou muito... Me marcou muito a figura do Marcão Assunção, do Geraldo Henrique, que montou a banda e, principalmente, do Felix Baigon, que fez essa ponte (Rio-Maceió) e tocou comigo... Lembro do Pianola, de músicos da banda, foi super legal. E eu levei a Gabriela (sua esposa), foi maravilhoso! Além do trabalho, foi uma viagem maravilhosa! A gente passeou com o Rufino, dono do Restaurante Manzuá, e a esposa dele... Depois eu fiz um show em Imperatriz do Maranhão, lotado, com muita gente. Então, o Nordeste tem uma ligação muito presente no meu início de carreira e até hoje, graças a Deus!

Quais são suas influências musicais?

São várias, eu tenho influência de toda a MPB. Mas eu estou compondo a minha nova safra de músicas com um quê nordestino, meu próximo CD vai sair com muita coisa nordestina, além da sonoridade brasileira. Claro que com algumas mudanças, sempre com algumas inovações, mas acho que vai ser o meu disco mais brasileiro.

Como você vê o mercado musical atualmente?

Artisticamente, o mercado está muito bom. Eu acho que desde a virada do novo milênio, abriram-se grandes espaços para novos artistas, toda hora tem gente nova tendo oportunidade de aparecer. Isso é muito bom, é a maneira mais próxima de uma democracia musical. Mas nem todo mundo fica à luta pela prateleira, pela evidência, pela exposição.

Qual a sua opinião sobre o mercado de música independente?

Bom, o meu terceiro CD, Leve, que aconteceu com a música Final Feliz, foi independente e estourou primeiro no Nordeste, em cidades como Fortaleza, Recife, Salvador, foi para Maceió, Maranhão, e depois, para o Rio e todo o Sudeste. Foi um disco importantíssimo na minha carreira, e era independente. Depois ele foi contratado e relançado pela EMI, uma grande gravadora... Então, eu acho que, mais do que nunca, artistas pequenos, médios e grandes estão trabalhando no independente e, hoje em dia, o independente está de igual para igual com as gravadoras.

Com o surgimento das novas mídias, na sua opinião, qual o futuro da música e dos CDs?

Eu vejo um futuro luminoso para a música. A música nunca vai deixar de existir, nem a expressão dos artistas, dos compositores, dos arranjos. Só que o CD, talvez possa sofrer alguma transformação, com essa questão da música digital, da Internet. Nesse momento, a gente já sabe que o DVD está tendo uma procura maior que o produto do CD, não que o CD não tenha um consumo, mas, hoje em dia, ele virou exatamente o que era a fita cassete. Você comprava a fita virgem e gravava o que queria. Então, o CD é um suporte maravilhoso para isso, para gravar com uma tremenda qualidade, em comparação ao que eram as fitas antigamente, ao que era o vinil. Se bem que o vinil já tinha uma qualidade imensamente superior, mas eu acho que o papel do CD será o de uma mídia para gravar arquivos e para transferência de dados.

Recentemente, o Ministro da Cultura, o cantor e compositor Gilberto Gil, disponibilizou sua obra para livre acesso na Internet. O que você acha disso?

A MINHA OBRA? ELE FEZ ISSO SEM A MINHA AUTORIZAÇÃO?

Não, não. A obra dele.

(Risos) Eu sei, estou brincando contigo. Mas eu acho interessante. O Gil sempre teve esse perfil inovador, sempre esteve ligado à vanguarda, à ponta das atitudes, à tecnologia. Ele acaba abrindo caminhos e iluminando as idéias de outras pessoas. É uma atitude bem legal, até pelo lastro que ele tem, de carreira, de quantidade de repertório, que o possibilita a fazer isso sem se perder, acho que ele só tem a ganhar.

Tendo em vista o material que você tem contato em suas turnês, você pode destacar um novo talento?

Paulo Façanha, do Ceará, um compositor de mão cheia, um excelente cantor, que faz uma MPB moderna, contemporânea. Ele até tem uma influência da minha música e eu já gravei música dele. Tem o Kiko Furtado, da região dos Lagos - RJ, muito legal o trabalho dele... Zé Ricardo, do Rio de Janeiro. É que tem tanta gente... Patrícia Melo, do Piauí, é muito bom o trabalho dela. Enfim, são muitos.

Como vai ser a sua turnê com o projeto MPB Petrobrás?

Serão 10 shows em 12 dias, então, até me lembrei e voltei a falar mais baixo para poupar a voz, porque é cansativo, algo muito intenso, você não tem muito tempo para descansar... Mas eu tenho certeza de que vai ser muito bom tocar para um público que, normalmente, não teria condições financeiras de comprar o ingresso para ir a um show de MPB com grande estrutura, como é o nosso, que tem uma banda, uma equipe, onde os contratantes têm todo um gasto com passagem, estadia, alimentação, diárias. Uma estrutura muito grande, que necessita de equipamentos, mídia e tudo isso tem sido muito prejudicado por uma política errada chamada Lei da Meia-entrada, pois essa lei, aqui no Brasil, não tem uma quantidade limitada e isso faz com que o contratante se obrigue a aumentar absurdamente o preço do ingresso, para que a metade do preço seja compatível, já que muita gente que nem estudam mais, tem carteira de estudante. Todos os países do mundo, onde há a meia-entrada, ou ela é limitada, ou o governo subsidia os outros 50% dos ingressos para o realizador do evento, para cobrir as despesas. Mas aqui no Brasil, o Governo tem essa mania de fazer “média”, trabalha com o suor dos outros, como tudo aqui no país, essa hipocrisia, esse populismo. Mas, esse não é o caso da Petrobrás, o ingresso é barato pelo projeto, pelo patrocínio da Petrobrás, é algo válido e eu estou super contente de estar participando dessa caravana.

O que o público alagoano pode esperar do seu show?

O alagoano pode esperar um show intenso, verdadeiro. Estou numa fase muito feliz! Estou levando para esse show o repertório e o roteiro do meu DVD, meu primeiro DVD. Incluí várias canções, as mais importantes da minha carreira, temas de novelas, como Fênix, Ciclo, Encontro das Águas. Músicas novas, novas parcerias, como Abismo, sucessos radiofônicos, como Que Nem Maré. E músicas recentemente lançadas, como Vela de Acender, Você é Tudo, e ainda vai trazer a canção Líder dos Templários, que é inédita, uma parceria com o Jorge Aragão e com o Jorge Benjor. Essa música foi feita para um show que ocorreu no dia 23 de abril, na Praia de Copacabana, em homenagem a São Jorge, reunindo 4 artistas: Jorge Mautner, Jorge Benjor, Jorge Vercilo e Jorge Aragão. O show será lançado em DVD com o título: Coisa de Jorge.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 287

SOLO - Emílio Lima, Popfuzz Records


Um grupo de amigos e uma idéia na cabeça: montar um selo, reunir as bandas independentes, promover shows. Essa é a PopFuzz Records! Em entrevista, Emílio Lima, um dos integrantes do selo, explica melhor a proposta, a história e fala dos projetos da PopFuzz.

De onde veio a idéia de criar um selo?

Na verdade, há algum tempo tinha vontade de ter um selo. Mas só após o Maionese 2 é que a idéia surgiu com mais força, percebemos que era necessário reunir as bandas em algo organizado para poder divulgá-las e criar uma cena em Alagoas. Conversando com alguns amigos, percebi que compartilhávamos o mesmo objetivo. Foi quando conheci o Rodolfo, que já tinha uma noção maior do que era selo e um nome em mente... Isso incentivou muito a galera a colocar o projeto para frente. Acho que o marco da criação do selo foi o momento em que resolvemos trabalhar com consciência de selo.

Qual a origem do nome Popfuzz?

Foi idéia do Rodolfo. Ele diz que é uma homenagem aos selos que admira, como o Poptones (inglês), que lançou algumas de suas bandas favoritas como My Bloody Valentine, Teenage Fanclub e The Jesus and Mary Chain e o Sub Pop (americano), que promoveu bandas grunges dos anos 1990, como Nirvana, Mudhoney e Screaming Trees. Ele acha que Popfuzz tem uma sonoridade interessante e muitas pessoas têm comentado isso. No dia do Maionese, 26 de maio, um dos integrantes da Radium ficou analisando o nome. E repetiu várias vezes: Pop Fuzz, Popfuzz, Pop... Fuzz, com diversas entonações e por fim concluiu: “Esse nome é muito bom! Como não pensei nisso antes?”.

Quem faz parte da Popfuzz Records?

Além de mim e do Rodolfo, fazem parte o Gabriel, João Paulo, que está em Brasília, Caíque, que organizou o Maionese desde a primeira edição e é um dos caras mais dedicados do selo, Bruno Jaborandy, Marquinhos, as meninas que fazem a assessoria, Mariana e Thalita. Também a Nina, a Nanda, a Poli, a Paulinha e a Rosy, que fazem a Estilo Gostoso, uma barraquinha de lanches nos eventos, e as bandas: Super Amarelo, Estandarte, My Midi Valentine, Dad Fuked And The Mad Skunks, entre outras, pois cada vez mais bandas entram no selo, ganham um apoio na divulgação de seu material e dão uma força para a Popfuzz. A vantagem é que somos todos amigos, então, todo mundo ajuda como pode, não por obrigação, mas porque quer participar do processo.

Por que o selo não possui uma logomarca?

Nós até tentamos, mas achamos melhor focalizar só nas cores. Durante um tempo, discutimos quais cores representariam a Popfuzz e depois de uma votação, ficou decidido que seria roxo e amarelo. Surgiram algumas sugestões de logomarcas e o pessoal foi criando, criando... Enfim, se escolhêssemos apenas uma, esse processo acabaria. Então, a proposta é haja um espaço para a arte livre nas cores roxo e amarelo. Pode ser um elefante se equilibrando em uma pata só, com uma coleira roxa e amarela; um cara em um ponto de ônibus, de braços cruzados e óculos escuros, com um cinto roxo e amarelo. As pessoas vão olhar e pensar: É a Popfuzz!

Quais são as maiores dificuldades que vocês têm enfrentado?

Além do reconhecimento, um grande problema aqui em Alagoas, tem a questão do espaço para promover os shows. Tudo fica muito concentrado em Jaraguá, além disso, o aluguel das casas sai completamente de nossas possibilidades. Só queremos divulgar nosso trabalho, tocar mesmo, sair dos estúdios, e seria muito bom que os bares, principalmente da Ponta Verde, oferecessem um espaço para bandas diferentes. Isso diversificaria o público que os freqüenta e criaria um movimento de divulgação do que é produzido na cidade.

O que você achou desta 3ª edição do Maionese?

Sou realmente suspeito para falar, porque sou muito perfeccionista, ocorreram algumas modificações no cronograma, imprevistos, essas coisas comuns em shows. Mas tenho que admitir que o resultado foi muito bom, conseguimos reunir entre 350 e 400 pessoas no Olímpia, apesar da chuva que estava caindo naquela noite. E não estavam só os amigos, tinha muita gente que não costuma aparecer nesse tipo de evento, com bandas que não são conhecidas, que não fazem um som dançante, nem com elementos regionais, e sim um “rock contemplativo”, com guitarras e baixo trabalhados, letras reflexivas, onde as pessoas realmente assistem à apresentação. Acredito que a divulgação do Maionese ajudou muito... É, o Maionese 3 foi melhor que as edições anteriores, é um evento que vem crescendo, pelo esforço de todos, principalmente do Caíque.

E o que a Popfuzz está planejando para 2007?

Resolvemos que só vamos promover um evento de grandes proporções por ano, o Maionese, embora algumas pessoas peçam o “junhonese”, “setembronese” e coisas do tipo. Vamos centrar nossas atenções para a consolidação do selo, transformá-lo em uma firma, com tudo o que for preciso. Temos, é lógico, alguns projetos menores, como organizar festivais em estúdios, exposições de fotografias e outras produções artísticas e expandir nossos contatos com outras cidades, como Salvador, Recife, Aracaju e Natal, para fazer um intercâmbio. Só que agora, as bandas é que estão com “dever de casa”. Combinamos que todas deveriam gravar suas músicas em um prazo de 1 mês, para disponibilizar na Internet, inclusive para download. E na página da Popfuzz haverá links para os sites das bandas associadas.


SITE:

www.popfuzzrecords.net


ORKUT:

Popfuzz


TAMBÉM:

www.popfuzzrecords.net/maionese

www.fotolog.com/festivalmaionese

sábado, 21 de julho de 2007

Sargento Pimenta quarentão


Um álbum revolucionário, que prenunciava a nova fase que a humanidade viveria a partir dos anos 1970. Ruídos se misturam a aplausos, vozes aceleradas, sons de animais, de parque de diversões, um sino, distorção nas guitarras, uma orquestra com 41 músicos, cítara e outros instrumentos da música oriental, um clímax romântico crescente, um toque de despertador, tudo isso encerrado por 27 segundos de uma gravação perturbadora, concebida em um processo onde as vozes foram capturadas e a fita foi cortada e remendada aleatoriamente. O resultado foram risadas seguidas de uma frase indecifrável que descreve um movimento cíclico, partindo de um ouvido ao outro. Na capa, quatro jovens, em roupas espalhafatosas e coloridas, misturados a celebridades como Karl Marx, Oscar Wilde, Bob Dylan, Marilyn Monroe, Edgar Alan Poe, além de plantas, bonecos e flores.

Pura psicodelia! Essa é a forma mais apropriada de descrever o que a banda inglesa The Beatles fez com a música em Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band – é assim mesmo que se escreve, embora a maioria das pessoas ainda insista em colocar “Sargent”, que numa tradução literal seria algo como A Banda dos Corações Solitários do Sargento Pimenta. Em 2007, tal obra-prima do rock ‘n’ roll está completando 40 anos. Na verdade, a inserção de inovações, que provocavam no ouvinte uma confusão quase palpável, já podiam ser percebidas em seu disco anterior, Revolver (1966), mas é em Sgt. Pepper’s que essa técnica alcança o seu ápice. O álbum encanta pelo fluxo criativo e pela ousadia, não só da sonoridade, mas também das composições que mesclam reflexões, notícias de jornais, programas de televisão e até uma propaganda de um famoso cereal matinal.

Por sua capacidade de sempre se superar e surpreender a todos, o grupo atravessa gerações e mesmo com o seu término, têm suas canções gravadas no inconsciente coletivo e, há anos, influenciam a produção musical de bandas em todo o mundo. Em Maceió, a maioria das bandas que faz um som retrô “bebeu” de todas as fases dos Beatles. Algumas delas são covers dos “garotos de Liverpool”, como Os Beesouros e outras optaram pelo campo da criação de um repertório próprio, mas que possuem os típicos backing vocals, o diálogo entre as guitarras, as letras bem construídas, caso da A Banda e da Mopho, que há um certo tempo já entrou no circuito musical nacional.

Essas três bandas concordam em um ponto: Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band é um álbum fantástico, uma alquimia musical. João Paulo, vocalista e guitarrista da Mopho o define assim: “Definitivamente uma obra-prima esse disco!
Canções inspiradíssimas, arranjos primorosos, mixagem impecável, com os parcos quatro canais disponíveis na época; timbres matadores, sem a utilização dos ‘famigerados’ simuladores; belíssimo projeto gráfico, entre muitos outros atrativos.
A impecável execução dos instrumentos pelos quatro músicos revelou uma evolução espantosa. Marcou a minha vida e influenciou demais o meu trabalho com a Mopho”.

Mopho desponta no cenário musical

João Paulo - guitarra, violão e voz, Nardel Guedes - guitarra, Mano - baixo, Dinho Zampier – teclados, e Adriano Lima - bateria. Essa é a atual formação da Mopho que, ao longo de seus 11 anos de estrada, sofreu algumas alterações, mas manteve um trabalho autoral embasado na obra dos Beatles e de outros artistas, como Mutantes, Secos e Molhados, Led Zeppelin e Raul Seixas. Em meados de 1996, começaram a gravar CDs-demo e enviá-los a selos e revistas especializadas, assim, despontaram no cenário underground do rock nacional. Na cena musical alagoana, ficaram mais conhecidos pelo CD-demo Não Mande Flores (1998), a música que intitulava a demo foi bastante difundida e transformada em um hit lembrado até os dias atuais.

Em 1999, após assinarem contrato com a gravadora Baratos e Afins, conseguiram entrar no mercado e viajaram o Brasil apresentando suas composições. Percorreram São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Joinvile, Recife, Garanhuns e Aracaju, em diversos festivais, a exemplo do Abril Pro Rock, Porão do Rock, Festival de Inverno de Garanhuns, Projeto Balaio Brasil do SESC e do FMI, que ocorreu no ano passado, aqui em Maceió, no Teatro Deodoro.

Ainda em 2006, a Mopho conquistou mais uma vitória em sua carreira. A música Quando Você me disse Adeus, do segundo CD da banda Sine Diabolo Nullus Deus, lançado em 2004, entrou na trilha sonora do longa-metragem de animação Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock‘n’Roll, do diretor Otto Guerra, além disso, a canção faturou o prêmio de melhor trilha sonora no Festival Cine-PE. A capa deste CD faz uma explícita alusão a um álbum dos Beatles que faz grande sucesso entre seus fãs, Rubber Soul, que eternizou as canções Michelle, Girl e In My Life.

"A Banda" já teve diversos nomes

A princípio uma banda de punk, A Banda surgiu com o interesse de tocar músicas dos Beatles e dos anos 1950 e 1960. Segundo Ivan Lopes, 23 anos e líder da banda, sob a influência dos filmes De volta para o futuro e The Wonders, em especial o primeiro, que mostrava o personagem de Michael J. Fox tocando em festas de formatura. Então, após a seleção das músicas que seriam tocadas e alguns ensaios, A Banda foi à luta e realizou algumas apresentações em formaturas, casamentos e festas de amigos. Desses shows, notaram a necessidade de abranger músicas de outras épocas, para tanto, escolheram um repertório que compreende de 1950 a 1990.

A Banda já teve diversos nomes, alguns impronunciáveis, outros que mais pareciam aqueles seriados enlatados da tevê americana. A idéia era que houvesse uma identificação e uma relação de proximidade entre o público e a banda, então os integrantes pensaram em Os Caras e depois em A Banda. Ivan explica que não é nada pretensioso: “Era um nome legal e quando tivesse show, a galera diria: ‘E aí? Vai pro show dos Caras?’ e o resultado acabou sendo o mesmo para A Banda: ‘Vai ver A Banda hoje?’, por exemplo. Isso não quer dizer que somos A banda, num sentido arrogante... Somos A Banda. Também é uma alusão à música do Chico Buarque”.

No momento, A Banda está em coma. Ivan – piano, guitarra e voz, Davi – guitarra e voz, e Igor – baixo e voz, estão buscando um baterista para voltar à ativa, não só com os covers, mas com as canções de autoria própria, pois já possuem cinco músicas prontas.

Os Beesouros e suas composições

Fã dos Beatles “desde a barriga da mãe”, o baixista Eugênio Macca é o único remanescente da The Beatles Again. Há um ano e meio retornou a fazer a música que “alimenta sua alma” e com a companhia de Samuel Winston – voz e guitarra, Júnior Martin – guitarra e voz, e Thiago Alef - baterista e caçula da banda, fundou Os Beesouros, cujo nome é uma tradução do termo beetles, que, com a alteração de uma letra, originou Beatles.

O grupo é uma sopa de gerações, como afirma Júnior, os integrantes têm entre os 19 e os 40 e poucos anos. Sempre que podem, reúnem-se para ensaiar, trocar discos e opiniões, definir as canções que irão tocar. Júnior, por exemplo, possui todos os discos dos Beatles, de vinil, uma verdadeira raridade. Eles buscam manter os acordes, tons e solos das versões originais, o que demanda horas de audição, nada demais para esses beatlemaníacos. Eles possuem ainda um projeto social, no qual destinam 10% do lucro obtido em shows para instituições de caridade.

Os Beesouros estão enveredando pelo caminho das composições próprias, o que consiste em um processo de amadurecimento. Suas letras são em português e possuem temáticas variadas, com pitadas de “água com açúcar”, e, é óbvio, uma grande influência do estilo Beatles de fazer música.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 286

Tesouros nas prateleiras


Há 45 anos, Maria do Socorro se mudou de Santana de Ipanema para Maceió, com o intuito de cuidar de um irmão que estava doente. Trabalhou em um hospital como fisioterapeuta, lá conheceu Roberto Santana e, após seis meses, eles se casaram. Ele possuía uma coleção de livros e revistas em quadrinhos e um interesse em trabalhar com esses artigos. Então, após receber uma indenização do hospital, começou a vender livros usados na porta de um colégio, depois no mercado, na Rua Dias Cabral e, por fim, estabeleceu-se no Alfarrábio Nossa Senhora do Socorro, próximo à Santa Casa de Misericórdia de Maceió, onde o negócio está firmado há 27 anos. Inicialmente com 250 revistas em quadrinhos e 50 livros, hoje compreende um acervo de mais de 50 mil exemplares, dispostos em 11 salas, entre livros e revistas de todos os gêneros, além de raridades como livros de direito dos séculos XVII e XVIII.

Essa é uma das muitas histórias guardadas entre as estantes dos alfarrábios, também conhecidos como sebos, localizados no Centro de Maceió, principalmente na Rua Pontes de Miranda. Assim como Dona Socorro e o marido, atualmente sem trabalhar devido à doença de Parkinson, muitos alagoanos se dedicam ao ofício de vender livros usados.

Diz a história que “A maldição do faraó”, mal que acometeu os colonizadores ingleses e provocou a morte de muitos deles, quando estes resolveram abrir os sarcófagos egípcios em busca de tesouros, não foi nada além de uma complicação respiratória causada pela exposição ao bolor e à umidade do ambiente. Quem nunca foi a um sebo, não deve alimentar uma imagem de um local insalubre, mal iluminado, com livros carcomidos pelas traças, perdidos na poeira. Muito pelo contrário, são bem organizados, com as obras separadas por autor, gênero, às vezes em ordem alfabética, que são espanadas, recebem tratamento com produtos especiais e são expostas ao sol periodicamente, para evitar problemas de saúde naqueles que os adquirirem.

Esses redutos de antiguidades literárias abrigam os escritos de grandes autores, como Dostoievski, Shakespeare, Gabriel García Márques, Lacan, Truman Capote, Freud, Saramago, Álvares de Azevedo, Jorge de Lima, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo, Jorge Amado, Machado de Assis, entre tantos outros, em coletâneas, avulso, edições especiais e mais simples, nos mais variados preços, É possível encontrar livros de até R$ 2,00. E o preço é o grande atrativo dos alfarrábios, cujo público é formado, em sua maioria, por estudantes de todas as áreas, visto que as prateleiras estão cobertas de livros de direito, medicina, psicologia, sociologia, teatro, comunicação, engenharia, dicionários e cursos completos de línguas estrangeiras. Os interessados em montar bibliotecas em casa e em escolas também freqüentam o lugar.

Em geral, os livros chegam por meio de doação, venda ou troca. Segundo os proprietários, é muito comum as pessoas se desfazerem de livros quando um parente morre, ao se mudarem para um apartamento ou quando desejam adquirir volumes a que não tiveram acesso. Nesse processo, são considerados determinados critérios na estipulação do preço: importância histórica da obra, estado de conservação, grau de procura. Entretanto, não existe uma tabela fixa, pode-se, inclusive, negociar o valor do livro.

O cheiro do livro usado

Há quatro anos no paredão da Pontes de Miranda, Wilson Júnior vende, além dos livros, discos de vinil de música clássica. Tendo preferência pela literatura estrangeira, dentre os seus escritores favoritos estão Umberto Eco, Edgar Alan Poe, Thomas Mann e Flaubert, deste, tinha em mãos um livro, cuja edição datava de 1922. Após falar um pouco sobre a vida dentro desse universo que remete ao passado, ele confessou: “Eu gosto do cheiro de livro velho”.

A sua banca possui um acervo de revistas em quadrinhos que, de acordo com o estudante de jornalismo da Ufal, Gabriel Duarte, é o melhor da cidade. Gabriel freqüenta alfarrábios há oito anos e possui uma coleção de quase três mil gibis, a maioria comprados em tais estabelecimentos, não só pelo preço, mas também pela qualidade dos quadrinhos mais antigos.

Tempos áureos

“Hoje em dia, o movimento está fraco, mas há uns 15 anos, isso aqui vivia cheio. Eu tinha uns três ou quatro funcionários...”. Dona Socorro relembra os bons tempos do negócio e, com a diminuição dos clientes, às vezes pensa em vender o casarão com todos os livros. Esse enfraquecimento da busca por livros é percebida por todos os proprietários de alfarrábios.

Edvaldo Pereira, dono da Escritos e Discos, está no ramo há aproximadamente dez anos e acredita que essa é uma questão cultural. Suas áreas de interesse são sociologia e política, formando em Ciências Sociais, pela Ufal, aplica os conhecimentos obtidos para avaliar a situação do mercado de livros usados em Alagoas.

O problema vai além da pouca disposição do alagoano para a leitura, muito diferente dos tempos áureos, quando o Estado abrigava os maiores nomes da literatura nacional. A alta concentração de renda faz com que as pessoas optem por destinar o dinheiro que recebem às necessidades básicas, afastando-se cada vez mais desse hábito saudável que é ler. Tal quadro se reflete não só nos alfarrábios, mas nas livrarias, que acabam fechando por falta de clientes. Outra situação que o preocupa é a pirataria, alguns sebos vendem CDs e, com a venda desenfreada de álbuns musicais pirateados, os originais só atraem os colecionadores, visto que o valor é inferior ao das lojas, só que superior aos vendidos em camelôs.

É óbvio que não ocorrerá a extinção dos sebos, mas sua redução consiste em um fato preocupante. São eles que promovem um resgate da prática da leitura que se consolidou em meados do século XV, após a invenção da imprensa. É contraditório imaginar que em épocas passadas, os apaixonados por literatura liam em locais reservados, algumas vezes página a página, conseguidas no mercado negro, pois algumas obras eram proibidas, dessa forma, corriam o risco de ser presos. Já os autores de livros considerados subversivos podiam até ser condenados à morte.

Nos dias atuais, há total liberdade para aquisição de livros e sua difusão, porém, diversas pesquisas comprovam que o hábito da leitura segue o caminho oposto à crescente ascensão de meios como a televisão e a Internet, embora esta já disponibilize livros para download ou para serem lidos on-line. Tal opção ainda divide o público, visto que a maioria ainda prefere as versões impressas.

Os alfarrábios são a solução para aqueles que desejam seguir um conselho largamente difundido: “Desligue a televisão e vá ler um livro!”. E o melhor, sem gastar muito.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 286

O retrato do olhar enquanto arte


Do instante de consciência até o primeiro esboço, das cavernas à argila, do papiro às colunas, das telas aos banners, talvez a forma mais direta e incompreensível do homem externar sua essência seja a arte. De análise puramente subjetiva, é um meio de transformar o comodismo do dia-a-dia em algo digno de contemplação, pois consiste numa interferência que foge aos padrões dos porquês e para quês, que rompe os limites dos preceitos e fornece uma visão que, independente do tema, pode ser sarcástica, bem humorada, melancólica, carregada de emoções díspares que se unem, contradizem-se e, algumas vezes, são obras que não dizem nada, até que o espectador entre em interação com ela, por meio da reflexão. Nesse caso, fala-se de arte contemporânea, um conceito muito amplo, que engloba diversas formas de expressões e concepções que variam de artista para artista, representando o seu caráter único dentro das múltiplas possibilidades estéticas.

Sob a curadoria da produtora cultural Ana Glafira, a exposição 1 (Hum), parte do 1º Ciclo Alagoas de Artes Visuais, traz um intercâmbio entre várias gerações de artistas e produções, no campo da fotografia. Em sua maioria alagoanos, eles se aventuram de maneira lúdica e intensa na expressão de suas individualidades, utilizam-se de recursos visuais impactantes e instigantes, alguns, com o auxílio de softwares que permitem a introdução de artifícios, a sobreposição de imagens, a distorção de elementos, a explosão das cores. Com exceção de Delson Uchoa, renomado artista plástico, os participantes da exposição não são artistas em tempo integral, exercem outras profissões, mas mantêm um elo com o campo das artes, caso de Yvette Moura, fotojornalista que, entre um fato e outro, captura instantes ímpares do cotidiano, o belo que, por habitar o comum, passaria despercebido.

Para o evento, foram escolhidas obras que apresentam poeticidade e se inserem no campo da experimentação, não só em suas composições, mas no suporte utilizado para mostrá-las ao público, não mais as típicas molduras, e sim objetos da contemporaneidade como placas, banners, adesivos, advindos principalmente da publicidade, responsável pela confusão e poluição visual que invadiu as ruas nas últimas décadas. O público é, então, convidado a um passeio pelas subjetividades de cada artista, a uma desconstrução do olhar através da percepção de novas formas de representar a realidade, desprovida de estereótipos.

Como as outras exposições do ciclo, 1 (Hum) tem o objetivo de despertar no alagoano o interesse pelas artes visuais, que, por natureza, está incluída em todos os tipos de artes, seja na cenografia de palcos ou na ilustração de encartes, além de promover o contato deste com talentos já consolidados e em ascensão. Apesar de todas as dificuldades presentes no Estado de Alagoas, desde a ausência de iniciativas que priorizem as artes como um todo até a precária divulgação de seus produtos e produtores culturais, o que resulta em um atraso gritante em relação a outros Estados, a exemplo de Pernambuco e Bahia, Ana Glafira afirma estar bastante satisfeita com o resultado das exposições do ciclo, pois esse atraso não se aplica às obras dos artistas alagoanos, que possuem autenticidade e ousadia suficientes para terem seus trabalhos expostos em qualquer galeria do Brasil e condizentes com a evolução dos movimentos artísticos, no que concerne à arte contemporânea, de todo o mundo. Logo, será um erro esperar que 1 (Hum) apresente elementos da cultura “alagoano-nordestina”, como chapéus de guerreiro, praias e afins. Ela vai muito além de tudo isso, deixa de lado as questões de identidade cultural e cede lugar para o ápice criativo, que denota um jogo de cognição e liberdade para se expressar e materializar suas criações.

Dessacralização do objeto de arte

De acordo com Tchello d’Barros, esse tipo de projeto proporciona a aproximação das pessoas e o diálogo com outras gerações. Artista visual e escritor, na mostra, ele apresenta um trabalho de fotografias de tampas de bueiros, na verdade, metáforas para provocar a curiosidade do público, “Afinal, o que está escondido?”, alguns podem se perguntar. O interessante é que elas estão coladas no chão, podendo, inclusive, ser pisadas pelos passantes, o que faz do objeto artístico algo não-sagrado, onde é permitido tocá-lo, senti-lo, interferir nele. Se os bueiros capturados por Tchello estavam desgastados, é previsível o que acontecerá com os que estão expostos em 1 (Hum).

Participantes

Ana Glafira explica que alguns dos participantes do evento foram pinçados dos cursos do ciclo, através da leitura de seus portfólios, e agora têm a oportunidade de apresentar pela primeira vez seus trabalhos, como Rafael Poly e Felipe Camelo. Além deles, participam da exposição: Amanda Nascimento, Ana Glafira, Camila Cavalcante, Camila Moreira, Delson Uchoa, Flora Uchoa, Gustavo Boroni, Kadu Fonseca, Maíra Villela, Nataska Conrado, Nímia Braga, Paula Marroquim, Pedro Verdino, Renata Voss, Sandro Egues, Sandra Quintela de Aguiar, Tchello d’Barros, Thereza Coelho, Valéria Simões, Vítor Braga, Wado e Yvette Moura.

Ciclo

O 1º Ciclo Alagoas de Artes Visuais é uma iniciativa de Ana Glafira em parceria com Tchello d’Barros, com patrocínio do programa BNB de Cultura. Atuando desde março de 2007, tinha o objetivo inicial de promover cursos na área das artes visuais, mas devido à necessidade de oferecer a Alagoas um projeto amplo, que possibilitasse a reflexão e a produção, não como fatos isolados, mas intrínsecos, a idealizadora uniu-se a os artistas para incrementar o ciclo com palestras e exposições. O resultado dessa fusão foi um evento que surpreende pela beleza artística e pela quantidade de informações em circulação.

O público que freqüenta o ciclo é formado principalmente por estudantes de arquitetura, design gráfico, comunicação social e profissionais liberais de diversas áreas. Em geral, o impacto das obras produzem três reações distintas: algumas pessoas rejeitam à primeira vista, outras buscam compreender o processo criativo e a intenção do artista, e ainda há aqueles que captam a essência da obra e, a partir daí, fazem o seu juízo de valor.

Durante o ciclo, foram realizados os cursos: Representações Contemporâneas, com Moacir dos Anjos; Fotografia Expandida, com Angélica de Moraes; Poesia Visual, com Tchello d’Barros, Arte Tecnológica: Aspectos Poéticos e Estéticos, com Cleomar Rocha e Uma História da Fotografia Brasileira, com Nadja Peregrino. As exposições acontecem sempre no MISA, em Jaraguá; na Casa da Arte, na Garça Torta; e no SENAC, no Poço.

O evento

A exposição 1 (Hum) foi inaugurada no dia 19 de junho, com a exibição dos vídeos experimentais: Através dos Olhos de Vidro, Camila Cavalcante; Derivado de Minha Beleza, Fernanda Gomes e Luciana Barros; Autorretrato em Rojo, Fernanda Gomes; Até Quando?, Flora Uchoa; Bulhufas, Nataska Conrado; Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar Maldito, Renata Brito; Todo Amor Esfria, Ygor Gama.

A visitação abrangerá o período de 20 de junho a 30 de julho. De segunda a sexta, de 8h às 21h e aos sábados, de 8h às 12h, na Galeria de Arte do SENAC.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 285

Palavras e versos acariciados


As mãos possuem íntima relação com o ato criativo das expressões artísticas, são elas que moldam, pincelam, desenham, concretizam as palavras e estreitam os limites entre a mente do artista e o olhar do público, logo, dão forma às idéias. Entretanto, existem aqueles que descobrem todo um universo de informações através das mãos e assim, dessa forma que mistura proximidade com os objetos e uma experiência mais efetiva com eles, desenvolvem a percepção e a sensibilidade.

Tendo em vista a dificuldades de inserir os deficientes visuais no mundo da literatura, o catarinense Tchello d'Barros resolveu disponibilizar parte de sua vasta produção para a editora Cultura em Movimento e Centro Braille, de Blumenau – SC. Em 2003, publicou, em Braille, o livro de poesias Amor à Flor da Pele, porém, antes disso já se envolvia em projetos de entidades direcionadas aos deficientes visuais, fazendo gravações, leituras e declamações de poemas para crianças e adultos.

Tamanha foi a sua surpresa quando soube que duas de suas obras tinham sido selecionadas pelos próprios participantes do projeto de Difusão de Literatura para Cegos do Centro Braille da Fundação Cultural de Blumenau, para publicação na antologia Blumenauaçu na Ponta dos Dedos. Os cordéis O Mistério de Blém-blém E Os Fantasmas de Jaraguá e O Justo Destino Do Pistoleiro Justino são produto de uma pesquisa que o autor realiza acerca da literatura de cordel, que lhe rendeu uma coleção de cerca de 300 exemplares e iniciou um novo ciclo em suas produções literárias. Utilizando elementos da linguagem e do imaginário popular, ritmo, expressividade, humor e crítica social, os cordéis de Tchello revelam a cultura alagoana em essência, seus caracteres mais marcantes, seus “causos” e personagens.

Residente em Maceió desde 2004, Tchello d'Barros está promovendo, por meio de seus cordéis, um intercâmbio nordeste – sul. É inegável o poder atrativo dessa maneira peculiar de fazer poemas, que são pendurados em barbantes, chamados cordéis – daí o nome literatura de cordel, cujas temáticas versam sobre os mais diversos assuntos como os “heróis” do sertão, que enfrentam seguidas vezes o diabo; as moças bonitas que encantam os rapazes nas festas e depois se descobre que elas já morreram; as criaturas fantásticas que assustam mesmo os mais religiosos. Mas tratam de temas em voga, como a corrupção, as guerras, a violência, de modo que realizam uma ponte entre a tradição e a atualidade.

Da observação à poesia, da poesia à forma

Segundo o autor, suas obras geralmente possuem como temática o ser humano, onde o pano de fundo se constitui pelas infinitas possibilidades da vida. Sobre o seu processo criativo, ele afirma: “Basicamente procuro estar atento às questões que de alguma forma me tocam, positiva ou negativamente, aos temas em que não dá pra ficar indiferente e, em seguida, passo às questões poéticas e estéticas do assunto, para só então partir para outra preocupação: as questões formais, as linguagens, os suportes ou os meios, e as modalidades artísticas para a obra vir ao mundo”.

O Mistério de Blém-blém E Os Fantasmas de Jaraguá relata a história de uma figura, o Blém-blém, também conhecido como Bate-ferro, que andava pelo bairro de Jaraguá batendo nos postes e suportes, supostamente para afastar os fantasmas que assombravam o local. Nele não figuram apenas o bairro e o personagem, mas também personalidades da literatura alagoana, no caso, Graciliano Ramos e Jorge de Lima, fazendo um passeio que percorre da Rua Sá e Albuquerque, passando pela Associação Comercial e o Coreto, até os Museus Théo Brandão e Chalita. Já O Justo Destino Do Pistoleiro Justino, cujo título assemelha-se a um trava-língua, conta a história de Justino, homem frio e cruel, que após estuprar uma moça por quem se apaixonou, e foi rejeitado, e matar o rapaz que a defendeu, foge de sua cidade e, ao saber que ela dera a luz a filho seu, mas morrera de parto, torna-se um matador por encomenda, com o intuito de se vingar de Deus. Misturando a crença no destino a uma alusão aos crimes de pistolagem, que, mesmo nos dias atuais, ainda aparecem nas manchetes, o cordel desenvolve-se em um clima de suspense com um desfecho surpreendente.

Os cordéis são o melhor canal para que a cultura alagoana e nordestina chegue aos participantes do projeto, pois expressam de maneira autêntica os valores, os hábitos, as crenças e tradições da região. Embora não possam enxergar, a forma como lêem é, no mínimo, tão poética quando o ato criativo. Letra por letra, verso por verso são por eles acariciados, desvendados e fruídos pelo toque, uma das vias mais íntimas de contato entre os indivíduos.

Artista multimídia

Com trajetória marcada por diversas mudanças de cidade e viagens, onde percorreu mais de 20 países em incessantes pesquisas, dentre eles Argentina, Inglaterra, França, Bélgica, Holanda, Uruguai, Chile e Peru, Tchello conseguiu a façanha buscada silenciosamente por muitos artistas. Desenhista de ilustrações para revistas e capas de livros, ator, pesquisador na área cultural, artista plástico, fotógrafo, escritor de contos, crônicas, poesias visuais e escritas, poemas, críticas sobre artes plásticas, cordéis e literatura infantil, e produtor cultural, sem falar que foi desenhista têxtil, tatuador e jogador de voleibol, a ele a expressão artista multimídia não soa pretensiosa.

Há 15 anos no meio artístico, aprendeu a fazer versos com o avô materno, quando possuía apenas 6 anos de idade. Sua primeira exposição foi de pinturas e ocorreu em 1993, ano em que começou a escrever poemas, que logo começaram a fazer parte de coletâneas. É autor de 6 livros: “Olho Nu” (1996), “Palavrório” (1996), “Letramorfose” (1999), “Olho Zen” (2000), “Amor à Flor da Pele” (2003), este teve alguns poemas lidos por uma deficiente visual na novela América, da Rede Globo, e “Cordéis” (2006).

O mundo globalizado, as múltiplas possibilidades estéticas e a Internet são responsáveis por uma grande transformação que ocorreu no universo criativo. Ao artista foi possível inovar, ousar, fundir formas de artes distintas e divulgar suas criações; ao público, um contato mais acessível com as obras. Tchello d’Barros tem experimentado alguns desses elementos da tecnologia digital, principalmente em suas poesias visuais, que são uma mistura de literatura e artes plásticas. Nessa vertente literária, ele produz sonetos, haicais, trovas e até mesmo cordéis.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 284