domingo, 26 de agosto de 2007

O quebra do Xangô

Gravações do documentário. Fonte: Assessoria

“A realidade, porém, é que a vandálica destruição dos xangôs de Maceió por parte da Liga dos Combatentes, o famoso quebra-quebra de 7 de fevereiro de 1912, mais parecido com um auto de fé, [...], marca a extinção das velhas e tradicionais casas de culto afro-brasileiro em Maceió e nas cidades próximas. Pratica-se, por algum tempo, autêntica perseguição, nos moldes da inquisição medieval. Eram comuns prisões, torturas, delações, interrogatórios capciosos [...]”.

Esse é um trecho do livro A Metamorfose das Oligarquias, de Douglas Apratto Tenório, que trata de um dos episódios mais violentos da história de Alagoas: a invasão e destruição de diversos terreiros de candomblé, tema do vencedor da Carteira Regional do Doc TV III, Doc TV – Alagoas em Cena, que tem como um dos fomentadores o cineasta Hermano Figueiredo, ganhador do Doc TV III, com o documentário Calabar. Ele apresentou ao Governo vigente na época, ano passado, a proposta de fundir os dois projetos – Doc TV e Alagoas em Cena, e fazer a Carteira Regional que já existe em outros Estados do país, obtendo sucesso. Como essa importante conquista não pode cair no esquecimento, Hermano vai batalhar para que se torne uma realidade a favor das produções áudio-visuais alagoanas.

O documentário 1912 – O Quebra de Xangô, do antropólogo e fotógrafo Siloé Amorim nasceu do interesse de era resgatar, por meio de uma pesquisa, o quebra dos xangôs, tema que não é muito discutido, embora tenha mudado os rumos das manifestações da cultura africana em Alagoas. Quando entrou no processo de busca de dados, Siloé se deparou com o NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, órgão da Ufal - Universidade Federal de Alagoas, coordenado pelo Profº Moisés de Melo Santana, de onde recebeu a sugestão de elaborar um roteiro. Porém, até aquele momento, não era possível realizar um documentário. Foi quando soube das inscrições para o Doc TV II, no qual inscreveu seu projeto, sendo selecionado apenas na edição seguinte.

Segundo ele, a temática lhe deu grandes responsabilidades, visto que é uma questão muito complexa e que contém muitos assuntos diferentes ligados entre si: “Adentrar no assunto mostra que a invencibilidade de manifestações culturais de origem africana foi soterrada. Eu não imaginava que as expressões culturais, inclusive lúdicas, como o maracatu, também foram suprimidas a partir do quebra de 1912.”.

1912 – O Quebra de Xangô é o primeiro documentário de natureza histórica que ele faz, pois sempre realizou produções de cunho antropológico, com acervos fotográficos, já que trabalha com o campo visual. Para construí-lo, vários terreiros foram visitados: “São tantos que desaparecem na minha cabeça, fui a terreiros na Levada, no Benedito Bentes, na Ponta Grossa, no Graciliano Ramos, na Favela do Jaraguá e em cidades como Cajueiro, Atalaia, Água Branca e Limoeiro de Anadia”.

A sua experiência como antropólogo serviu na montagem do documentário. Ele diz que o olhar é diferente, mais seletivo diante da quantidade de informações, que renderam 200 páginas de entrevistas transcritas que podem, em breve, ser publicadas. “Cada fala que eu mudava me levava a um outro assunto. Então, eu tinha que voltar, criar um fio condutor para uma narrativa lógica, que não fugisse do quebra, e para que tudo que tem no documentário tivesse sentido, mesmo que algumas vezes estivesse desassociado da questão temporal. A parte fotográfica me ajudou para montar imageticamente o documentário, também na direção de cena e na interação com os demais membros da equipe”, explica.


Oceano de informações

O título já estava na cabeça de Siloé, uma referência ao ano e ao evento. Contudo, vai além da aparente simplicidade, na visão dele, o título tem uma simbologia, representa a quebra da entidade Xangô, que representa a justiça, a ira contra a opressão.

Para dar corpo ao documentário e dinamicidade à narrativa, a ficção foi introduzida ao documentário, onde figuram personagens como o Xangô e Tia Marcelina, entretanto, em sua maior parte, ele é composto por depoimentos de antropólogos e historiadores. A escolha dos atores foi bastante difícil, principalmente a atriz principal, que, na idéia inicial, seria alguém conhecida nacionalmente, mas a verba não permitiu. Então, Siloé e sua equipe caíram mais uma vez em campo, desta vez, percorrendo teatros, em busca de um perfil que lhe agradasse. Não encontrando, tentou puxar pela memória. Foi quando lhe veio à mente uma mulher que trabalhou em sua casa, que, com devida direção, conseguiu um resultado satisfatório ao antropólogo.

Embora uma verba de R$ 100 mil pareça muito, no universo das películas isso não é quase nada. Efeitos especiais nem entraram em cogitação, mas Siloé trabalhou com inovações na linguagem, por meio de aspectos ligados à contemporaneidade. Por tal razão, ao término das gravações, ele se viu praticamente sozinho, pois não foi possível bancar a equipe de produção. “Então, de repente, você se sente mergulhado em um oceano de informações, tendo que organizar sua cabeça”, desabafa.

Aproximadamente 200 pessoas participaram do documentário, todos alagoanos, entre equipe de produção, participantes das cenas, pessoas consultadas, como pais e filhos de santos, estudiosos da temática, amigos, ex-alunos, contribuindo da melhor forma possível na composição da obra. Ao todo foram 70 horas de gravação, trabalhando até 15 horas por dia, para 55 minutos de vídeo.

Sobre a produção, afirma: “Não tive problemas com a direção, com a edição, com as pessoas envolvidas, embora seja difícil organizar a equipe, lidar com estados de humor diferenciados e tendo que transitar rapidamente entre eles. O grande problema é o tempo, que é muito curto. O cinema gasta muito tempo, um minuto de filme pode gerar semanas de trabalho... é um trabalho pesado e eu sou uma pessoa que se entrega, caio de cabeça e quando termino tudo, geralmente estou arrasado. Mas feliz.”.

O documentário está promovendo um resgate cultural, pois não se prende apenas ao ano de 1912, abordado na primeira parte do documentário, que trata da perseguição em si. Ele entra no candomblé contemporâneo, mostrando danças e depoimentos acerca da questão do folclore e das representações afro-alagoanas. Também são apresentadas opiniões sobre a educação, a visão dos filhos de santo, enfim, posicionamentos que fogem da questão histórica propriamente dita.

Ele disse que pensou em um trabalho para o público, feito de modo que este compreenda o ocorrido: “Fiz da melhor forma possível, assim, o público vai saber o que foi, o que se pensa e o que o quebra dos terreiros representará para as próximas gerações”. Apesar do cansaço e das ininterruptas dores de cabeça, o resultado foi bastante positivo, além de um documentário, Siloé fez novas amizades e teve contato com realidades que não conheciam, algo que se constitui em um prazer para um antropólogo.


Histórias

Esse lado doloroso da história alagoana, marcado pelo preconceito e pela violência, possui uma infinidade de mitos e histórias mal contadas, todavia foi impossível colocá-los no documentário, visto que não havia espaço.

O local mais citado, onde todas as maldições foram lançadas, é o Palácio do Governo, já que o quebra dos Xangôs foi uma iniciativa de motivação política, nos idos do Governo de Euclides Malta. “Às vezes, algumas pessoas até se benziam quando se tocava no assunto”, relembra.

Dizem que existem exus, entidades que “abrem e fecham os caminhos”, plantados no palácio e que vários “trabalhos” foram enterrados em seus pontos cardeais. Dentre as pragas mais rogadas está: “Maceió é um dia só”, que prega que tudo que acontecer aqui, não sairá daqui, nunca irá para frente. Tendo em vista os últimos acontecimentos, que os Orixás tenham dó dessa cidade.


O Quebra

1912 – O Quebra de Xangô será exibido no dia 29 de agosto, às 20h, no Centro de Convenções. A trilha sonora, composta exclusivamente para o documentário é de Basílio Sé. A direção é de Siloé Amorim e tem como produtor executivo: Joabson Santos, diretor de fotografia: Juarez Cavalcante e assistente de direção: Laurindo Moroni.



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 291

O poder do improviso

Foto: Kelly Baêta

Um hábito típico dos cantadores de coco e embolada é dar aos mestres nomes de pássaros. Mário Francisco de Assis ainda era um menino quando fugiu com uma dupla de emboladores, que, um dia, apareceu em sua casa. Ele e esses dois amigos saiam de cidade em cidade, praticamente como ciganos, até dormiram em um cemitério abandonado, porém as dificuldades não os impediam de fazer suas canções cheias de rimas e improvisos. Nessas caminhadas, entre um coco de roda e outro, sempre tinha alguém que se encantava com aquela “coisa miudinha” cantando, o que acabou lhe rendendo o apelido de Mestre Verdelinho, em referência a um pequeno pássaro de mesmo nome.

Ele ganhou notoriedade quando integrou o Guerreiro do Mestre Pedro Teixeira, sendo até Mestre de Guerreiro em uma apresentação em Brasília. Foi assim que sua história começou a mudar, conseguiu um emprego no Teatro Deodoro, mas não abandonou aquilo que gosta e saber fazer. Embora não saiba escrever, Mestre Verdelinho é autor de canções que surpreendem pela riqueza de conteúdo, cujas temáticas têm complexidade filosófica, mas com a forma simples e direta, típica à cultura popular.

Esse importante expoente da cultura popular alagoana será o homenageado do Regional IV “A Festa do Coco”, que, segundo o organizador do evento, Tony Soares, visa a valorizar a cultura popular alagoana e fazer com que a nova geração conheça e se interesse por artistas que abastecem esse mercado. Em sua quarta edição, o evento contará com a participação das bandas Poeira Nordestina, Xique Baratinho, Gato Zarolho, Cumbuca e, é óbvio, do Mestre. Ainda haverá sorteio de brindes, exposições artesanais e a casa estará decorada com motivos regionais.

O Mestre dividirá o palco com seus filhos, Josenildo e Genilson, e Jurandir Bozo, vocalista da banda Poeira Nordestina, no repertório estão Dona Mariquinha, Balança o Galho da Limeira, A Masseira, de Tereza Félix, todas canções do CD de Verdelinho, UNIRversando, pagodes, em sua maioria. Mas antes que confusões sejam feitas, é preciso explicar: “pagode é um estilo de coco, bem alagoano, que tem o refrão, os entremeios e, no fim, o tropel”, explica Bozo. Tropel nada mais é que um forte ruído provocado por repetidas batidas dos pés no chão.

Jurandir Bozo diz que as músicas do Mestre possuem profundidade poética e cita como exemplo O Grande Poder, que versa sobre questões ligadas à interação entre o universo e as criaturas, gravada por Telma César, no CD do grupo Comadre Florzinha e pelo cantor e compositor Wado. Bozo ajudou na produção do CD de Verdelinho, que foi lançado no ano passado. Contendo 13 faixas, o álbum foi gravado em quase dois dias, com pouca verba e praticamente sem apoios institucionais, um reflexo visível da problemática que atinge a cultura alagoana, largamente discutida pelos artistas e que provoca um certo tipo de ostracismo, no qual as produções ficam mais nas residências do que nos palcos.

Muitos são os artistas que beberam da arte do Mestre Verdelinho, como relembra Bozo: “Busquei a cultura popular, através do Mestre, porque pensei quando o vi: isso sou eu. Aquilo remetia à minha infância, ao que via nas feiras em frente à minha casa, e é o que busco trazer para minha voz. Se hoje estou desenvolvendo esse trabalho é por causa da voz rouca e forte do Mestre Verdelinho”.

Elo entre o tradicional e o atual

Embora se trate de uma expressão da cultura tradicional, o show pretende atingir a um público diversificado, inclusive no que diz respeito à faixa etária: “A primeira edição, com as bandas Mr. Freeze, Gato Zarolho e Cumbuca, atingiu um público universitário, mas hoje desejo atingir a todas as idades”, afirma Tony, que está a três anos no ramo de produção de eventos dessa natureza, e, desde o ano passado, está a frente do Regional.

Ele aproveita a sua formação em Marketing para divulgar o evento para o maior número de pessoas possível e, para tanto, utilizou mídias alternativas que têm bastante alcance, caso do site de relacionamentos Orkut. Visitou os perfis, colocando quase que diariamente a programação do show. O argumento dele é pragmático: “A melhor forma de vender um produto é fazer com que ele chegue até seu consumidor direto e indireto, com um planejamento de marketing e de mídia, é o que busco fazer com esse show”.

A intenção, na verdade, é atrair os jovens para as manifestações que fazem parte da cultura popular, como o guerreiro e o coco de roda, que, com as novas tendências musicais, provenientes da cultura de massa, perderam seu espaço. Mas não de forma mecânica, pela obrigação de valorizar apenas por ser alagoano, pois não basta estudá-la e teorizá-la. É preciso senti-la, como diz Bozo: “Não é incomum ouvir os Mestres falarem de ‘fazer uma brincadeira’, em alguns lugares do Nordeste, os participantes recebem o nome de brincantes. Temos que levar as pessoas para dançar o coco, cantar o guerreiro. Por isso, o ensino da cultura popular nas escolas deve ser feito de forma lúdica, como uma atividade recreativa”.

A questão é bem mais complexa. Esse afastamento da juventude traz um problema que, em longo prazo, pode culminar com a extinção de alguns valores culturais. “Alagoas está anos-luz a frente dos outros Estados, no que diz respeito a produção cultural. Tem uma cena fértil, uma das mais atuantes do Brasil, mas os artistas estão envelhecendo. Não precisa fazer resgate cultural, pois os Mestres estão vivos, assim como nossa cultura, o que falta é compromisso da sociedade civil e do poder público”, critica Bozo.

O Regional IV “A festa do coco” busca um formato que situe a cultura tradicional no contexto globalizado, com infra-estrutura e atrações que realizam um trabalho que mantém os moldes tradicionais, mas inserem uma roupagem mais atual, sem cair no clichê. Essa fusão entre tradicional e atual está em grande evidência, tanto que muitos Mestres já têm seu material divulgado na Internet, chegando a possuir comunidades no Orkut, caso de Mestre Verdelinho e Nelson da Rabeca.

Janela

Uma forte relação de amor e dedicação move esses representantes da nova safra da cultura popular alagoana a lutar pelo reconhecimento dos precursores desse movimento artístico. Tony Soares pretende criar um mercado voltado para a cultura alagoana mais atuante, com shows freqüentes, entretanto, isso ainda depende muito do público, por isso, o empenho na divulgação.

Pelo que parece, a tão esperada eclosão da cultura alagoana é iminente, embora falte organização e interação entre os artistas, o passo inicial há muito foi dado. Canções, poemas, coreografias, peças, esculturas e quadros pululam em abundância, em resumo, a cena pode até não ser atuante, mas a criatividade funciona freneticamente.

Para quem ainda não conhece a cultura caeté, além do convite para o Regional IV “A festa do coco”, fica uma reflexão de Jurandir Bozo, sobre o que é cultura popular: “Cultura popular não é se voltar para si, é se voltar para o outro. É se debruçar sobre uma janela, nem que seja a do cantinho do seu olho e ver além da pálpebra, ver o vendedor de açúcar, alguém na rua, o cara que vende bala no ônibus. Fazer essa cultura de forma contemporânea é praticar o sonho, embora esteja longe do ideal... Nossa cultura ainda está viva! Mas tem algo que sempre questiono: O que vem depois dos Mestres?”.


Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 291

domingo, 12 de agosto de 2007

Aldeias nas ruas

gettyimages.com

Eles estão em várias partes da cidade, concentram-se principalmente nos shoppings, em praças, como a Vera Arruda, e na orla, em especial no Posto 7. Discutem os mesmos assuntos, assemelham-se no modo de se vestir, nos gostos musicais e nas gírias, criando, inclusive, um vocabulário próprio. Surfistas, punks, roqueiros, hippies, emos, alternativos e tantas outras infinidades de grupos compõem o que se convencionou chamar de “tribos urbanas”, que expressam não só uma filosofia de vida, mas representam épocas e constituem-se em uma forma de unir aspectos de similaridade, por meio do compartilhamento de identidades culturais.

O termo tribo faz parte dos estudos das teorias antropológicas e é utilizado na identificação de grupos sociais, mas, na expressão tribos urbanas, possui outra conotação. Segundo Ricardo Maia, Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP, tal denominação tem um sentido simbólico e serve para identificar conjuntos de indivíduos que vivenciam o mesmo estilo de vida e de estética, numa tendência a abolir o individualismo. Para explicar melhor como, há séculos, essa questão é tema de estudos, ele cita um importante pensador grego: “Aristóteles já dizia que o homem é um ser social”. Então, com a necessidade de fortalecer suas idéias, legitimar um estilo e se sentir pertencente a um determinado grupo, as pessoas passam a se associar nessas pequenas sociedades.

Maia diz que os estudiosos trabalham com várias nomenclaturas, mas destaca duas: grupúsculos e grupelhos. Sendo que a segunda possui uma interpretação interessante: “grupelhos são ‘grupos de espelhos’, pequenos grupos de pessoas narcisistas, onde uma reproduz a imagem da outra”, por isso tantas semelhanças entre seus membros. Ele dá um bom exemplo da necessidade do ser humano de se fixar nas referidas tribos: “basta observar uma festa, uma família, melhor, uma praia. Em quilômetros de litoral, as pessoas se concentram em determinados pontos, então, elas não estão lá apenas para entrar em contato com a natureza, mas, em busca de ver outras pessoas, paquerar, exibir seus corpos bonitos e queimados pelo sol”.

Permutas entre as ciências

São várias as áreas de conhecimento que tentam destrinchar as origens, comportamentos e peculiaridades dessas tribos, a exemplo da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia, nas subdivisões Antropológica, Social, Freudiana – em sua última fase, e da Psicanálise, que, na concepção de Ricardo Maia, possui um entendimento maior sobre o tema por estudar de maneira mais profunda a mente humana. Porém, numa sociedade pós-moderna, com forte influência da mídia, não é possível analisar os casos isoladamente, pois, o grau de complexidade dos indivíduos e da sociedade está cada vez maior, de modo que é necessário que as ciências humanas e sociais dialoguem, façam permutas entre si, a fim de oferecer resultados mais precisos, levando em consideração que esse é um dilema que está longe de ser resolvido, visto que, de acordo com a teoria freudiana, a linha entre o individual e o coletivo é imaginária. E para quem deseja se aprofundar do assunto, vários teóricos podem ser estudados, como Freud e Jung. Ricardo sugere um livro de Michel Maffesoli: O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa.

Rótulos

No que diz respeito à faixa etária dos membros das tribos, nota-se que eles são geralmente jovens, mas não são adeptos de expressões que os denominem. “Rótulo é sempre chato. Não me encaixo em nenhuma tribo, mas eu já tive umas bandas de rock... Acho que estereotipar alguém como de certa tribo é desnecessário e só gera preconceito”, diz Léo Cardoso, 21 anos, estudante de Direito da Ufal. Da tribo dos surfistas, Diogo Rezende, 21 anos, estudante de Nutrição do Cesmac, acredita que “a sociedade determina que todos precisam ter um estilo, pondo nome e valor em tudo que existe, e as pessoas que se prendem muito essas coisas, acabam correndo rumo ao rótulo”.

Se bem que, hoje em dia, é difícil mensurar a quantidade e os tipos de tribos que existem, mas nota-se que elas têm íntima ligação com os estilos musicais. “É uma forma de especificação natural. A sociedade sempre costuma diferenciar as classes, seja por cor da pele, religião ou monetariamente. A classificação em tribos musicais é só mais uma e, como isso virou uma moda, a molecada termina seguindo uma linha, andando com pessoas que gostem do mesmo som, vistam as mesmas roupas... E isso não pára de crescer. É um processo de imitação, seja naturalmente, feito pela preferência de cada um, ou até pela influência dos amigos”, afirma Léo.

Identificá-los é uma verdadeira saga. Franjas, mechas coloridas, vocabulário cheio de xis, bonequinhos meigos, tons de rosa e azul bebê, esses são os emos, que, ultimamente, têm sido bastante rejeitados. Moicano, coturno, o famoso A de anarquia, representam os punks. Olhos pintados de preto, roupas pretas, correntes e cruzes prateadas fazem parte do universo gótico. Estilo paz e amor, saias longas, chinelos de couro, assessórios artesanais: hippies e adeptos do reggae. Os playboys são aqueles caras de camisas justas, revelando braços malhados, calças jeans e tênis de marca, boné combinando com visual. Já os surfistas andam de bermuda floral, camisa regata, num estilo bem largado. Também largados são os skatistas, só que eles usam bermudas folgadas e boné. Os alternativos vestem e falam o que querem, misturam estilos e não se importam com moda, fator fundamental na indumentária das patricinhas.

É impossível apresentar as características de todas as tribos, talvez um manual ajudasse. Um canal para “filtrar” algumas delas, pelo menos as mais importantes, e conhecê-las melhor é fazer uma busca no site de relacionamentos Orkut, que, depois da Internet, pode ser considerado uma das maiores tribos globais do últimos tempos.

Próprios botões

É importante que as pessoas percebam que suas atitudes não devem ser cerceadas pela influência de um grupo, independente de sua natureza e importância, nem tampouco se enraizar em suas individualidades. É nesse ponto que Ricardo Maia retoma Aristóteles que atestava a existência de dois tipos de vícios: um por excesso e outro por falta e completa: “o homem deve pensar sozinho, com seus próprios botões, lembrando-se de que esses botões também são sociais”.

Diogo Rezende encara essa questão de forma madura, enxergando que as tribos mais carregadas de estereótipos fazem parte da juventude: “a pessoa vai crescendo e vendo que a única tribo que existe é essa aqui que a gente vive... A tribo do planeta terra!”.


Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 289

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O canto de Alagoas em alma portuguesa


O ano de 1975 foi crucial na história da Angola, país localizado ao sul da linha do Equador, no sudoeste da África. Após lutar pela independência e expulsar os colonizadores portugueses, três partidos políticos passaram a disputar, de maneira sangrenta, o controle da capital, Luanda. Eram eles: MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola e UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola. As guerrilhas eram corriqueiras, mas a situação estava insustentável e várias famílias já começavam a fugir, de cidade em cidade, enquanto o conflito tomava as proporções de uma guerra. Após um bem arquitetado plano de fuga, um militar embarca em um avião a esposa, a filha, com apenas 10 meses, e alguns parentes, que levavam na bagagem apenas fotografias e objetos pessoais, para que eles se refugiassem em Portugal. Antes da decolagem, uma surpresa: ele ficaria em Angola.

Já em Portugal, foram recebidos por uma família que nem conheciam, mas que os ajudaram durante o longo mês no qual ficaram sem notícias daquele que estava no meio do fogo cruzado. Já não se sabia se estava vivo ou não, porém, sem avisar previamente, ele chegou e se deparou com uma difícil situação: aqueles que retornavam a Portugal, depois de viverem em alguma colônia eram rejeitados e chamados pejorativamente de “retornados”. Cansados de tantas provações, mudaram-se para o Brasil e se instalaram em Maceió, onde refizeram suas vidas.

Essa história, que parece um enredo cinematográfico, é da cantora Irina Costa, que, no dia 12 de agosto estará representando o Brasil no concurso Lusavox, uma iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros em parceria com a PT.COM, através do portal SAPO, gravadora Valentim de Carvalho e a Rádio e TV de Portugal (RTP), e está sendo divulgado por Nelly Furtado e Mariza. O objetivo do Lusavox, que está em sua primeira edição, é descobrir novos talentos musicais luso-descendentes, premiando o primeiro colocado com a gravação de um CD, com possibilidade de gravar um segundo, e o candidato mais votado pela Internet com cinco mil euros. Cantores de todas as partes do mundo se inscreveram, em um total de 200 músicas. Por fim, foram selecionados dez finalistas: dois representantes da França, Grã-Bretanha, Luxemburgo, Estados Unidos, Canadá, Índia, África do Sul, Alemanha e Brasil. Irina escolheu duas músicas para participar: Valsinha de Esquinas, de Mácleim, e Cais, de Sóstenes Lima.

Embora tenha se inscrito quatro dias antes do prazo final – o concurso estava aberto desde março e ela entrou em maio, Irina já é a segunda mais votada, com quase 60 mil votos. No início, seu intuito era divulgar as músicas para o maior número de pessoas, para mostrar a qualidade da música brasileira e alagoana, além de fazer contatos profissionais e até amigos, pois acredita que a música é capaz de romper barreiras. Entretanto, sua atitude fez com que as canções viajassem por vários lugares do mundo, conquistando admiradores que contribuíram não só com votos, mas com comentários, que a cantora fez questão de responder, um a um.

“A ficha só caiu quando vi, no site, que era uma das finalistas”. E a música que levará para Braga, em Portugal, no dia 12 é Valsinha de Esquinas, letra de Mácleim, música de Ricardo Duna e arranjo de Felix Baigon. Gravada por Irina e Mácleim, em janeiro deste ano, a canção foi apresentada à cantora em 2004, quando dividiu o palco com Mácleim, show que foi apelidado carinhosamente de Sururu com Bacalhau. Cais é totalmente assinada por Sóstenes Lima e Irina a considera um presente, por isso, não hesitou em inscrevê-la no concurso.

As origens falaram mais alto

Desde os quatro anos de idade, ela gostava de cantar, mas nem é para pensar que o fado sempre foi uma de suas maiores paixões. Na infância, não suportava esse estilo musical, preferia música brasileira, samba e MPB; na adolescência, ouvia pop rock e hard rock. E o fado, e a música portuguesa? Por obrigação, nos finais de semana, quando a família se reunia. “Era uma casa muito musical, minha mãe toca piano, acordeom e canta; meu avô tocava piano e acordeom e meu pai sempre gostou muito de música. Portugueses, ouviam fados. Eu ficava passando pela sala, imitando os cantores para ver se eles paravam de escutar, mas eles nem ligavam”, recorda.

Aos 21 anos, ganhou um disco da Dulce Pontes. Na época, Canção do Mar, interpretada pela cantora, fazia parte da novela As Pupilas do Senhor Reitor, e Irina gostava da música. Então, sua mãe a surpreendeu: “Parabéns, isso é fado!”. Foi assim cedeu às suas origens e começou a ouvir fados e a nova geração da música portuguesa, que inova sem se afastar dos moldes tradicionais. Entre seus artistas favoritos estão: Dulce Pontes, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Ana Moura, Pedro Abrunhosa, Zeca Afonso e Madredeus, que eternizou as canções Haja o que houver e O Pastor, tema da minissérie global Os Maias.

Por muitos anos, cantou sem compromisso, por diversão, mas, em 2001, resolveu enveredar pela música, de forma profissional. O repertório foi montado em menos de um mês e eis que surge o primeiro convite: fazer a abertura do show do cantor Jorge Vercilo. Como nunca havia se apresentado em público, recusou a proposta, pois necessitava de tempo para adquirir segurança e ter uma noção maior do que era fazer um show. Depois que se apresentou pela primeira vez, sentiu a importância que a música portuguesa tem em sua vida, até se emociona ao falar o que o fado representa para ela: “Se o mundo acabasse na hora que eu estivesse cantando fado, eu morreria feliz... É muito bom! Sabe uma mangueira? Você não vê a água invadindo a mangueira? É assim que eu me sinto: invadida pelo fado!”. Isso porque o fado é uma música que se canta com muita emoção, envolve muitos sentimentos, enfim, é forte, intenso, implica uma grande dedicação do cantor.

Intercâmbio Brasil-Portugal

Embora seja uma luso-descendente, Irina estará representando o Brasil no concurso e mostra-se bastante centrada e consciente de seus objetivos. Ela deseja que outras pessoas conheçam sua voz, sua forma de interpretar e a música que é produzida em Alagoas, que considera ser de grande valor musical. Também possui o intuito de fazer notar que a música portuguesa não é só fado.

Brasil e Portugal têm uma forte ligação histórica e, tanto Valsinha de Esquinas, quanto Cais, conseguiram dar uma roupagem lusitana a essas composições brasileiras, uma oportunidade para os portugueses conhecerem a produção musical que não está no mercado, aquela não difundida pela comunicação de massa. Talvez venha a nascer uma espécie de intercâmbio, no qual os dois países poderão apresentar o que possuem de melhor.

“Ser escolhida em um concurso mundial e ser reconhecida já é uma vitória!”, avalia. Sobre o seu primeiro CD, afirma que esse é um projeto que pretende realizar em breve, pois as cobranças do público estão cada vez maiores e ela acredita que está no momento certo de fazê-lo, mas não determina prazos: “Se eu ganhar o Lusavox, o CD vem depois de agosto, se não, vai demorar um pouquinho”. No repertório, o público pode esperar canções com “uma alma portuguesa”.

Lusavox

Quem estiver interessado em conhecer a canção que representará o Brasil no concurso Lusavox e votar nela, é só entrar no site www.lusavox.sapo.pt, clicar na foto de Irina Costa, passar o cursor nas estrelinhas e quando todas estiverem amarelas, clicar, em seguida, aparecerá a mensagem “votação aceite”. As votações estarão abertas até o dia 12 de agosto, mesmo dia em que o show com os finalistas será apresentado, no canal RTPI, mas também poderá ser visto pela Internet.


Valsinha de esquinas

(Mácleim / Ricardo Duna)

Assim que a lua vem
Eu quero alguém só
Que tem todo o poder
De me dizer vai
Saber que ser feliz é o que importa
Para nós


E a lua que andava nua se vestiu de prata para o nosso amor
As ruas sempre tão desertas acordaram em festa para o nosso amor
Os bondes nos arcos da lapa pelas madrugadas sabem da paixão
Nas quinas de Santa Teresa sob a luz suave de um lampião

E assim o amor se fez pelas calçadas
Sem pressa, sem pudor, sem quase nada
E o dia amanheceu e aqueceu... SOL
Para nós

Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 288

Bodas de celulóide

Foto: Vitor Braga


As imagens pictóricas encontradas nas cavernas já apresentavam representações de movimento, por meio de desenhos em seqüência. Data de 5.000 a.C., os jogos de sombras realizados na China, onde histórias de guerreiros eram contadas através da projeção de figuras humanas e de animais em paredes ou telas de linho. Leonardo da Vinci, não se restringiu às artes plásticas e mostrou-se um grande inventor, sendo responsável não só pelo protótipo do pára-quedas e do tanque de guerra, mas da câmara escura, criação que tinha um funcionamento semelhante ao olho humano. Depois vieram outras tentativas, o cinetoscópio de Thomas Edison, responsável pela introdução do som no cinema, e o cinematógrafo, invenção dos irmãos Lumière, que deu nome à sétima arte. Daí, o cinema deslanchou e espalhou-se pelo mundo, encantando gerações.

Existente desde 2003, o cineclube Antes Arte do que Tarde, que surgiu após uma oficina dada pelo cineasta Hermano Figueiredo no FUCA – Festival Universitário de Cultura e Arte, está completando um ano de parceria com o Sesc – Serviço Social do Comércio, e para as comemorações, prepararam uma programação especial. De acordo com Rafhael Barbosa, coordenador do cineclube, a intenção do evento é fazer um apanhado do que foi mostrado de melhor durante esse período, mas também trazer novidades, como o curta Texas Hotel, do cineasta pernambucano Cláudio Assis, diretor dos filmes Amarelo Manga e Baixio das Bestas, que estará presente no dia 05 de agosto, quando a parceria completa um ano. Entre curtas, médias e longas-metragens foram quase 100 filmes, dos quais 29 foram escolhidos para compor a mostra que se inicia a partir do dia 02 de agosto (ver box com a programação).

Com exibições semanais, “a proposta do cineclube é apresentar filmes que estão repercutindo no cenário nacional, nos festivais e abrir espaço para produções de qualidade que estão fora do circuito ou que foram pouco mostrados, incluindo filmes alagoanos, que fazemos questão de exibir”, afirma Rafhael. Mas o Antes Arte do que Tarde não se restringe apenas à exibição de filmes, são promovidas discussões, que abordam desde a concepção do filme, até a linguagem e aspectos técnicos. Entre os espectadores, estão psicólogos, advogados, cientistas sociais, cinéfilos e cada um contribui com a sua visão.

Membro da primeira safra do cineclube, o estudante de Letras Ivan Castro, considera que a iniciativa é bastante interessante, principalmente em Maceió, que possui poucas salas de cinema e um espaço limitado para a exibição de filmes não-comerciais, constituindo-se em mais uma opção para a cena cultural da cidade. Ele recorda que o primeiro filme que o cineclube apresentou foi Cangaceiro, de Lima Barreto, na época, ainda não tinha recebido o nome Antes Arte do que Tarde, que surgiu após um encontro que visava a reestruturar o movimento cineclubista, ocorrido em Rio Claro – SP, e foi retirado de um texto que circulava no evento.

Semelhança de interesses

Nadja Rocha, técnica de Cinema do Sesc acredita que a parceria funciona porque existe uma semelhança de interesses entre a instituição e o cineclube, pois o Antes Arte do que Tarde realiza um trabalho educativo, construído pouco a pouco, por meio de uma atividade feita em conjunto. Devido às discussões, o público interage com a obra de maneira reflexiva.

Ela afirma ainda que o Sesc, envolvendo-se com o projeto, buscou dar possibilidades para que a atividade permanecesse na grade, por exemplo, no início, as exibições ocorriam aos sábados, mas para atrair o público, foram transferidas para as segundas-feiras. A idéia de fazer a parceria foi do cineclubista Wendel Palhares, tendo em vista a carência de estrutura física do Espaço Cultural da Ufal e a falta de prioridade no auditório da reitoria, localizado no campus da Universidade, pois eles precisavam de um espaço que lhes proporcionassem exibições ininterruptas. E foi o que conseguiram no Sesc.

Impulso inicial

O grande responsável por esse despertar para o universo cineclubístico foi o cineasta Hermano Figueiredo, que, há 30 anos, dedica-se ao cineclubismo. “Os cineclubes são uma espécie de mangue onde todo um mar de informações sobre o cinema pode nele desaguar, eles geraram obras primas, principalmente na década de 1970. Muitos realizadores de cinema começaram com cineclube, como foi o caso de Glauber Rocha”, afirma. E é assim que funciona. Os participantes trocam informações sobre os diretores, planos, cortes, simbologia dos personagens, enfim, dissecam as obras.

Hermano será homenageado no primeiro dia do evento, com a exibição de filmes de sua autoria, inclusive Calabar, ganhador do prêmio Doc-TV III, promovido pela TV Educativa. Ele considera que a rede de cineclubes proporciona não só a formação de consciência crítica, mas a democratização da relação existente entre público e cinema, e vai além: “os cineclubes proporcionam a democratização da informação”.

Sobre a oficina dada no FUCA, recorda: “Eram poucos estudantes, mas a oficina despertou neles o interesse pela atividade cineclubística e, depois de quatro anos, a chama não se apagou”. Notando o interesse de outros jovens, está desenvolvendo, através da ONG Ideário, um manual para o cineclubismo, que fornecerá todas as informações quando à escolha e análise de um filme, como montar um cineclube, respondendo às dúvidas mais freqüentes daqueles que pretendem ingressar nesse movimento.

Antes Arte do que Tarde


Os atuais integrantes do cineclube Antes Arte do que Tarde são Rafhael Barbosa, Wendel Palhares, Monique Momberg e Larissa Lisboa. As exibições acontecem todas as segundas-feiras, às 19h, no Teatro Jofre Soares, do Sesc Centro. A entrada é gratuita.

PROGRAMAÇÃO ESPECIAL

Quinta-feira, 02/08

São Luís Caleidoscópio (2000, 8min.), A Última Feira (2005, 17 min.), Calabar (2006, 52min.)

Direção de todos: Hermano Figueiredo

Sexta-feira, 03/08

Palíndromo (2001, 11min.) - Direção: Philippe Barcinski, A Canga (2001, 12 min.) - Direção: Marcus Vilar, Superoutro (1989, 48 min.) - Direção: Edgar Navarro, A Pessoa é Para o que Nasce (1998, 6 min.) - Direção: Roberto Berliner.

Sábado, 04/08

Estrada (1995, 17 min.) - Direção: Jorge Furtado, Yansan (2006, 18 min.) - Direção: Eduardo Nogueira, Entre Paredes (2005, 15min.) - Direção: Eric Laurence, Estamira (2004, 127 min.) - Direção: Marcos Prado.

Domingo, 05/08

Vida Maria (1999, 8min.) - Direção: Márcio Ramos, Sintomática Narrativa de Constantino (2000, 23 min.) - Direção: Carlos Dowling, Texas Hotel (1999, 14min.) - Direção: Cláudio Assis, Edifício Máster (2002, 110 min.) - Direção: Eduardo Coutinho.

Segunda-feira, 06/08

Rua da Escadinha, 162 (2003, 18min.), No Princípio Era o Verbo (2005, 18 min.)Tarantino´s Mind (2007, 15min.) - Direção: 300Ml, Nós que Aqui Estamos, Por Vós Esperamos (1998,73 min.) - Direção: Marcelo Masagão. -Direção: Virgínia Jorge,

Segunda-feira, 13/08 – Filmes da Casa de Cinema de Porto Alegre

Oscar Boz (2004, 12min.), O Sanduíche (2000, 13min.), Ângelo Anda Sumido (1997, 17 min.), Estrada (1995, 17 min.), Veja Bem (1994, 9 min.).


Direção de todos: Jorge Furtado

Segunda-feira, 20/08 – Filmes da Casa de Cinema de Porto Alegre

A Matadeira (1994, 16 min.), Esta Não é Sua Vida (1991, 16 min.), Barbosa (1988, 13 min.), Ilha das Flores (1989, 12 min.), O Dia em que Dorival Encarou a Guarda (1986, 14 min.).

Direção de todos: Jorge Furtado

Segunda-feira, 27/08 – Filme da Casa de Cinema de Porto Alegre

Houve uma vez dois Verões (2002, 75 min.) - Direção: Jorge Furtado



Publicado no jornal A Notícia - Ano VI - Edição Nº 288

domingo, 5 de agosto de 2007

Jam session de luxo



O ano era 1959 e um grupo de jazzistas se reunia em um estúdio em Nova Iorque, apenas com alguns rascunhos e seus instrumentos. As três primeiras faixas foram gravadas em 2 de março e as três últimas, em 22 de abril. Pode parecer inacreditável, mas a obra que é considerada por muitos “o álbum de jazz definitivo” foi realizada em apenas duas sessões, com todos os músicos tocando canções que nunca haviam executado, desempenhando a arte da improvisação em um intenso fluxo criativo de 55 minutos e 25 segundos.

É com uma explosão de sentimentos que nasce Kind of Blue. As seis faixas que compõem o CD “brincam” com as emoções de quem o ouve, ora pelos jogos com o silêncio, ora pelas variações no tema principal, sempre com as assinaturas complexas de Miles, que desempenha com maestria todas as canções, juntamente com Julian “Cannonball” Adderley – sax alto, John Coltrane – sax tenor, Bill Evans – piano, Paul Chambers – baixo, Jimmi Cobb – bateria, e Wynton Kelly, que empresta o seu piano à segunda faixa.

Kind of Blue se inicia com um diálogo sincronizado entre baixo e piano, onde os primeiros dez segundos assemelham-se a uma passagem de som. O tema é apresentado e o trompete de Miles Davis começa a desenhar novas formas, fazendo experimentações sonoras, carregadas de espontaneidade. So What revela toda a segurança, bem como o talento dos músicos, nela é tecida, de forma lúdica, uma sobreposição de silêncios e sons, tal qual as luzes e sombras em uma fotografia.

Freddie Freeloader é um blues clássico, de melodia agradável. O ritmo é bem marcado, permitindo aos instrumentos de sopro liberdade para os solos. Embora não seja tão conceituado quanto Bill Evans, Wynton Kelly faz uma bela leitura da canção, com uma intervenção que encanta pela riqueza de detalhes.

Blue in Green é o instante mais melancólico do CD. Nessa canção é possível visualizar Miles Davis em sua maneira típica de tocar, curvado sobre o trompete, os olhos fechados, talvez buscando as sensações que nenhuma palavra conseguiria expressar. Coltrane faz o grave que preenche os agudos de Miles, por meio de um revezamento intercalado pelo piano. Evans, por sua vez, divide seu solo em três partes, criando uma atmosfera densa, em especial na última parte, quando é acompanhado por Chambers, que toca o baixo acústico com arco.

Então, vem uma pérola do universo jazzístico, que tantos já reproduziram e outros imprimiram suas marcas, mas é em Kind of Blue que All Blues soa mais completa, um ciclo que se fecha abrindo possibilidades para a contínua criação – a obra de Miles é dotada de paradoxos, onde tema e improviso se encontram, sem que um “apague” o outro. O piano cresce ao longo da música, a bateria é um metrônomo, o baixo, um pêndulo. Saxofones e trompete criam uma sonoridade ímpar, hipnotizante.

Flamenco Sketches encerra o CD e, diferentemente do LP, surge em dose dupla. As duas versões juntas têm aproximadamente 20 minutos e tal tempo é preenchido com preciosidade sonora, onde a introspecção chega ao seu ápice.

Ao trompetista, autor de todas as músicas, a denominação “gênio” não é um exagero. É certo que ele não era fácil! Exigente e ríspido, para a música e para o dinheiro – não subia ao palco sem um adiantamento de mil dólares, não tolerava certos comentários, principalmente se dirigidos à sua maneira fria de lidar com o público. Uma vez, Max Gordon, dono da boate nova-iorquina Village Vanguard, perguntou a Miles por que ele não se apresentava ao público, nem agradecia ao término de um número. Após um olhar repreensivo, ele respondeu: “Eu sou músico, não sou comediante. [...] Se você quiser um falastrão em sua casa, não me contrate. Eu não sorrio, eu não me curvo agradecendo. Eu dou as costas”[1]. E foi de costas que sempre tocou...

É impossível resumir o que Kind of Blue transmite. O álbum, que transformou os rumos do jazz, é intenso, vivo, uma jam session[2] de luxo, aberta para todos aqueles que desejam algo mais que um aperitivo e que pode ser apreciada a qualquer hora do dia, de modo que apresenta aos ouvintes a essência do jazz.


[1] GORDON, Max. Ao vivo no Village Vanguard. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 152.

[2] Reunião de músicos de jazz que improvisam livremente. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico Aurélio 5.o. Positivo, 2004.